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A sustentabilidade é o cerne da engenharia florestal; conheça um pouco da história, importância do termo e como ela avançou pelo mundo nos últimos séculos
Por Cícero Ramos* – Em 1713 — há 312 anos — o saxão Hans Carl von Carlowitz (1645-1714) escreveu sua obra Silvicultura Oeconomica, na qual defendia a conservação, o cultivo e o uso da madeira de forma contínua, estável e sustentável. Esse trabalho marcou o primeiro registro documentado do termo Nachhaltigkeit, que significa sustentabilidade.
Esse marco também é considerado o início de uma abordagem científica para as atividades florestais, que se expandiu da Europa Central para o resto do mundo, chegando ao Brasil em 1960.
Diversas medidas foram adotadas ao longo da história para preservar as florestas. Na Alemanha, por exemplo, leis já em 1330 estabeleciam que o corte de madeiras deveria ser moderado e não causar devastação. Vilarejos, associações agrícolas, mosteiros e cidades implementaram regras específicas para esse fim, como a proibição do corte de árvores que produziam alimentos (frutas) e produtos florestais não madeireiros. Essas áreas eram colhidas anualmente e, em seguida, protegidas contra o retorno da população até que a regeneração das árvores fosse garantida.
Na França medieval, o conceito de sustentabilidade surgiu na palavra soustenir (sustentar), presente na Ordonnance de Brunoy, a primeira lei francesa conhecida sobre gestão de cursos de água e florestas. Promulgada em 1346 por Filipe VI, a lei exigia que os proprietários de florestas e cursos de água garantissem sua manutenção para que pudessem “se sustentar perpetuamente”.
Na Grã-Bretanha, em 1664, John Evelyn apresentou seu livro Sylva: A Discourse of Forest-Trees and the Propagation of Timber ao rei e à Royal Society. A obra, reeditada várias vezes no século XVII, incentivou o plantio de milhões de árvores, inclusive em propriedades rurais da aristocracia.
Apesar desses esforços, a conservação e gestão dos recursos florestais mostraram-se insuficientes. No século XVII, durante o primeiro período de industrialização, a demanda por madeira na Europa cresceu exponencialmente, levando à exploração intensiva de florestas e à abertura de novas áreas. Na Alemanha, Áustria e Suíça, a madeira era essencial para as indústrias de mineração. Já em países costeiros como Grã-Bretanha, França, Portugal, Espanha e Suécia, a preocupação era garantir o abastecimento de madeira para a construção naval. A pressão por madeira e terras agrícolas resultou em desmatamento extensivo e regeneração inadequada, causando impactos significativos nas florestas, conforme relatado por observadores da época.
Em 1713, Hans Carl von Carlowitz, chefe da administração mineira da Saxônia, publicou Silvicultura Oeconomica, um tratado de 300 páginas que defendia o uso sustentável das florestas. Baseando-se em sua experiência, publicações de terceiros e contatos internacionais, von Carlowitz propôs uma nova abordagem para o manejo florestal. O livro tornou-se leitura obrigatória para silvicultores, administradores governamentais e gestores do setor de mineração. A segunda edição, publicada em 1732, expandiu ainda mais suas ideias.
Conceito de sustentabilidade
O conceito de sustentabilidade de von Carlowitz foi ampliado por outros especialistas. Wilhelm Gottfried Moser, em Grundsätze der Forst-Ökonomie (1757), destacou os aspectos intra e intergeracionais da sustentabilidade, afirmando que o homem deve viver não apenas para si, mas também para o benefício das gerações futuras. Georg-Ludwig Hartig, em Anweisung zur Taxation der Forste (1795), enfatizou a importância de garantir que as gerações futuras pudessem usufruir dos mesmos benefícios das florestas.
Essas ideias lançaram as bases para o conceito moderno de desenvolvimento sustentável, definido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1987) como “o desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades”.
No início do século XIX, o termo Nachhaltigkeit ganhou destaque na pesquisa e educação florestal. Escolas técnicas e academias florestais foram estabelecidas, como o Instituto Florestal de Tharandt, fundado por Heinrich von Cotta em 1811. A França também seguiu o exemplo, com a criação da Escola Nacional de Silvicultura em Nancy no ano de 1824 e a promulgação do Código Florestal Francês em 1827.
Especialistas florestais europeus tornaram-se influentes, e suas ideias se espalharam globalmente. Estudantes estrangeiros foram atraídos para essas instituições, e graduados levaram os princípios da sustentabilidade para outros países. Por exemplo, Johann Georg von Langen, um influente engenheiro florestal alemão, ajudou a desenvolver a gestão florestal na Dinamarca e na Noruega, enquanto especialistas alemães foram contratados para estabelecer a profissão florestal na Rússia.
Embora países como a Alemanha já tenham aplicado técnicas de silvicultura e gestão florestal sustentável desde o século XIX, o Brasil, apesar de abrigar uma das maiores florestas e biodiversidade do planeta, levou tempo para incorporar práticas científicas e educacionais nessa área. A primeira tentativa de ensino superior voltado à silvicultura ocorreu em 1875, com a fundação da Escola Agrícola da Bahia, que oferecia cursos para formar Silvicultores, Agrônomos, Engenheiros Agrícolas e Veterinários. No entanto, não há registros de que tenha formado, de fato, Silvicultores. Assim, a exploração das florestas nativas no Brasil continuou de maneira empírica, sem o suporte técnico necessário.
O Brasil demorou a reconhecer a importância de capacitar profissionais para gerenciar suas florestas de forma sustentável, países como Venezuela, Colômbia, Chile e Argentina já haviam implantado escolas de Engenharia Florestal.
Somente em 1960 foi criada a Escola Nacional de Florestas, com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento e o crescimento do setor florestal no Brasil. Com o apoio da FAO, órgão das Nações Unidas para a Agricultura, foi estabelecido o primeiro curso de Engenharia Florestal do país, na cidade de Viçosa, Minas Gerais, por meio do Decreto nº 48.247, de 30 de maio de 1960.
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Hans Carl von Carlowitz cunhou o termo Nachhaltigkeit (sustentabilidade) e definiu o manejo florestal como uma prática que deve garantir o uso contínuo, estável e sustentável dos recursos, defendendo que o consumo de madeira deve permanecer dentro dos limites que a área florestal pode produzir e suportar, ou seja, não se deve derrubar o estoque de árvores maduras até que se observe que há crescimento suficiente no local.
Essa visão pioneira está refletida nos princípios técnicos e científicos que norteiam o manejo florestal atual, ao relacionar a intensidade da exploração à capacidade de suporte ambiental da floresta e definir ciclos de corte alinhados ao tempo necessário para a recuperação dos volumes extraídos.
No manejo florestal da Amazônia, com engenheiros florestais como responsáveis técnicos, são identificadas as árvores maduras que podem ser colhidas da floresta, sendo retiradas, em média, de três a cinco árvores por hectare. Também são determinadas as árvores jovens que permanecerão na floresta, as árvores porta-sementes (mães) que serão responsáveis pela renovação da floresta, além das árvores protegidas por lei, como é o caso da Castanheira (Bertholletia excelsa Bonpl.), por exemplo.
Após a exploração das árvores maduras selecionadas para manejo, por meio de técnicas de exploração de impacto reduzido (EIR), ocorre uma abertura no dossel das copas que permite a entrada de luz na floresta, estimulando a regeneração natural e o banco de plântulas, favorecendo o crescimento em diâmetro e incremento volumétrico das árvores que, por meio da fotossíntese, retiram o dióxido de carbono da atmosfera e o transformam em oxigênio, contribuindo para o equilíbrio ambiental e a sustentabilidade dos ecossistemas florestais.
O manejo florestal sustentável é uma das abordagens mais eficazes e inteligentes para combater o desmatamento e atividades ilegais. Ele permite a exploração econômica de produtos florestais, garante a manutenção de serviços ambientais e contribui para a geração de empregos e renda na região amazônica. Além disso, essa prática promove a arrecadação de impostos, oferece segurança jurídica ao setor florestal e favorece a conservação da biodiversidade para as gerações presentes e futuras. O manejo florestal não se compara e tampouco pressupõe qualquer forma de remoção de vegetação, mesmo que legal.
O conceito de sustentabilidade é o cerne da engenharia florestal. Foi com esse objetivo que a profissão foi criada: tornar sustentável. A matéria-prima de origem florestal é essencial para a humanidade e exige um longo período para sua produção. O crescimento populacional e a demanda estão diretamente ligados. Portanto, é fundamental planejar as atividades para que ela seja sustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental.
Conclusão sobre a sustentabilidade
O legado de Hans Carl von Carlowitz, com mais de três séculos de história, mantém-se profundamente relevante no debate contemporâneo sobre sustentabilidade. Seu conceito de Nachhaltigkeit (sustentabilidade), cunhado em 1713, transcendeu fronteiras e tornou-se um pilar essencial para a conservação e o manejo responsável dos recursos florestais em todo o mundo. Ao revisitarmos suas ideias, percebemos que a sustentabilidade não se limita a uma mera necessidade — ela se apresenta como uma oportunidade para inovar, repensar práticas e construir um futuro mais equilibrado e recipiente.
Nesse contexto, a engenharia florestal, que neste ano celebra os 65 anos da fundação do curso no Brasil, se consolida como uma profissão essencial, oferecendo soluções técnicas e científicas para a proteção e restauração de ecossistemas florestais.
*Cícero Ramos, engenheiro florestal e vice-presidente da Associação Mato-grossense dos Engenheiros Florestais – Fonte com o autor do conteúdo.
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