A mudança também pode influenciar o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), o Imposto Territorial Rural (ITR) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em outubro de 2024, no Agravo do Recurso Especial 2.480.456, trouxe uma alteração significativa para o setor rural, determinando que, para classificar o porte de um imóvel rural – ou seja, se ele é considerado pequeno, médio ou grande – as áreas de preservação ambiental, como as reservas legais, devem ser excluídas do cálculo total da propriedade.
Essa mudança afeta não só o cálculo de porte das propriedades, mas também pode influenciar o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), o Imposto Territorial Rural (ITR) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
A decisão responde a uma demanda do setor que há tempos questiona a inclusão de áreas de preservação no cálculo total das propriedades, uma prática que frequentemente inflava o porte do imóvel.
Isso levava à exclusão de muitas pequenas propriedades das proteções legais de impenhorabilidade e aumentava a carga tributária. Essa mudança no entendimento do STJ pode, portanto, trazer impactos significativos e positivos para o setor rural e os proprietários de terras.
A decisão impacta diretamente a classificação fundiária dos imóveis rurais, que é baseada no número de módulos fiscais.
O módulo fiscal é uma unidade de medida, em hectares, definida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para cada município, considerando fatores como tipo de exploração predominante e renda obtida.
No Brasil, o valor do módulo fiscal varia entre 5 e 110 hectares, dependendo do município e de acordo com a Lei nº 8.629/1993, os imóveis rurais são classificados da seguinte forma:
• Pequena Propriedade: entre 1 e 4 módulos fiscais;
• Média Propriedade: superior a 4 e até 15 módulos fiscais;
• Grande Propriedade: superior a 15 módulos fiscais
Segundo dados da Receita Federal, até julho de 2020, havia aproximadamente 8.133.510 imóveis rurais ativos no Cadastro de Imóveis Rurais (Cafir). Desses, 6.608.988 imóveis possuem área total de até 50 hectares.
De acordo com o Atlas do Espaço Rural Brasileiro, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2020, 81% dos estabelecimentos agropecuários no país tinham até 50 hectares, ocupando apenas 12,8% da área total dos estabelecimentos no Brasil. Em contraste, apenas 0,3% dos estabelecimentos possuíam mais de 2.500 hectares, mas ocupavam 32,8% da área total dos estabelecimentos agropecuários do país.
Portanto, seriam aproximadamente 89% de pequenos imóveis rurais (entre 1 e 4 módulos fiscais), 9% de médios imóveis rurais (entre 4 e 15 módulos fiscais) e 2% são grandes imóveis rurais (acima de 15 módulos fiscais).
Contexto da decisão e repercussão no setor rural
A decisão do STJ surgiu a partir de um caso específico, no qual o proprietário de uma pequena propriedade rural buscava o reconhecimento da impenhorabilidade de seu imóvel.
Na instância inferior, o Tribunal de Justiça do Paraná havia considerado a área total do imóvel, incluindo as áreas de reserva legal, ao concluir que o tamanho da propriedade ultrapassava o limite de quatro módulos fiscais – o que a desqualificava como pequena propriedade e, portanto, a tornava passível de penhora.
O STJ, ao rever o caso, decidiu que o cálculo do porte de uma propriedade rural deve incluir apenas a área efetivamente aproveitável, ou seja, as áreas destinadas a produção e atividades econômicas.
Dessa forma, as áreas de reserva legal e outras áreas de preservação obrigatória devem ser excluídas do cálculo total do imóvel. O STJ fundamentou sua decisão nos princípios do Estatuto da Terra e da Lei da Reforma Agrária, que priorizam o uso produtivo da terra como critério para definir o porte dos imóveis rurais.
Esse entendimento marca uma mudança importante, especialmente para os pequenos produtores rurais, pois ao excluir a reserva legal do cálculo do porte, a propriedade se torna apta a receber o status de impenhorabilidade, protegendo, assim, o imóvel da perda em situações de dívidas.
O que é reserva legal e por que deve ser excluída do cálculo?
A reserva legal é uma área de uma propriedade rural que deve ser preservada para garantir a proteção e manutenção de vegetação nativa e a conservação da biodiversidade.
Ela é obrigatória por lei e não possui possibilidades de uso econômico convencional, mas em sua própria definição no Código Florestal (artigo 3º, inciso III) é tida como “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa”.
Segundo o artigo 17, §1º do Código Florestal, “Admite-se a exploração econômica da Reserva Legal mediante manejo sustentável, previamente aprovado pelo órgão competente do Sisnama, de acordo com as modalidades previstas no art. 20”.
O artigo 20, por sua vez, orienta que “No manejo sustentável da vegetação florestal da Reserva Legal, serão adotadas práticas de exploração seletiva nas modalidades de manejo sustentável sem propósito comercial para consumo na propriedade e manejo sustentável para exploração florestal com propósito comercial”.
A proporção de reserva legal varia conforme o bioma: na Amazônia Legal, por exemplo, é exigido que 80% do imóvel seja reserva legal; no Cerrado, esse número cai para 35%, e nas demais regiões, como a Mata Atlântica, a reserva mínima é de 20%.
Enfim, para o STJ, fica claro que essas áreas, que são obrigatoriamente preservadas e não gerariam renda, não devem ser contabilizadas no cálculo do porte de um imóvel.
Essa mudança é controversa, a meu ver, devido à possibilidade de uso de reservas legais, em sistema agroflorestal, como em outros sistemas de manejo sustentável, entretanto, também coerente com o objetivo de promover a conservação ambiental, levando proprietários a manterem essas áreas preservadas, porém sem uso, se não quiserem prejudicar a classificação do imóvel.
Já com relação às áreas de preservação permanente, diferente das áreas de reserva legal, como via de regra não se permite uso econômico, a decisão não apresenta controvérsias e se torna mais certeira neste sentido.
Um dos principais benefícios dessa decisão do STJ é a proteção das pequenas propriedades rurais. Ao excluir as áreas de preservação obrigatória do cálculo do porte, a decisão possibilita que mais propriedades sejam classificadas como pequenas, o que lhes confere proteção legal contra a penhora.
A legislação brasileira protege pequenas propriedades rurais de penhora em situações de dívida, desde que o imóvel seja explorado pela família do proprietário.
Essa proteção da pequena propriedade é especialmente importante em um cenário econômico onde a inadimplência e a dificuldade de acesso a crédito são problemas reais para muitos produtores rurais.
Ao garantir que áreas preservadas não contarão contra a classificação da propriedade, o STJ reforça a segurança patrimonial dos pequenos produtores, permitindo que eles preservem seu meio de vida, mesmo em situações de dívida.
Implicações para o CCIR, ITR e CAR
A decisão também deve trazer mudanças nos cadastros e tributações vinculados ao porte das propriedades rurais. A exclusão da reserva legal do cálculo de porte pode afetar diretamente o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), que é o registro oficial de um imóvel rural junto ao Incra.
Com essa decisão, é possível que muitos cadastros no CCIR precisem ser revisados para refletir a nova orientação do STJ, garantindo que apenas a área aproveitável do imóvel seja considerada para fins de classificação de porte.
No caso do Imposto Territorial Rural (ITR), não há grandes novidades, já que sua lei, a Lei Federal nº 9.393/1996, em seu artigo 10, inciso II, entende como área tributável, a área total do imóvel, menos as áreas de preservação permanente e de reserva legal, dentre outras situações.
O Cadastro Ambiental Rural (CAR) também se beneficia da nova decisão, pois reafirma a importância das reservas legais e da preservação ambiental dentro das propriedades rurais.
O CAR, que é um registro eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais, ajuda a monitorar a conservação ambiental. Ao excluir a reserva legal do cálculo de porte, a decisão do STJ fortalece a importância desse cadastro e incentiva o produtor a manter e respeitar as áreas de preservação ambiental.
Conclusão
Embora a decisão traga muitos benefícios, alguns desafios ainda podem surgir na sua implementação. É provável que muitos proprietários precisem atualizar seus registros junto ao Incra, CAR e INCRA para que a exclusão da reserva legal seja corretamente refletida, devendo demandar contadores, gestores e órgãos responsáveis.
Para que a decisão do STJ cumpra seu propósito, a preservação ambiental e não uso da reserva legal, devem ser premissas centrais e a exclusão da reserva legal no cálculo de porte deve ser vista como um incentivo à conservação, o que vai de encontro com a possibilidade de uso econômico de modo sustentável permitido pela legislação.
Ao excluir áreas de preservação do cálculo de porte dos imóveis rurais representa maior segurança patrimonial dos pequenos produtores, evitando penhora, reduzindo a carga tributária e fortalecendo o compromisso com o desenvolvimento sustentável.
Cabe então ao produtor escolher então se quer diminuir a classificação de sua propriedade para evitar penhora por dívidas ou aumentar a rentabilidade de sua área usando a reserva legal e mantendo a classificação de porte com sua inclusão.
Fonte: Scot Consultoria
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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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