STF retoma julgamento sobre marco temporal de terras indígenas, votação pelo fim da demarcação pode “acabar” com o agro; “Não reconhecer o marco temporal é desrespeito ao direito de propriedade”, diz Pedro Lupion, presidente da FPA.
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (20) o julgamento sobre a constitucionalidade do marco temporal para demarcação de terras indígenas. O julgamento foi suspenso no dia 31 de agosto, quando o ministro Luís Roberto Barroso, último a votar sobre a questão, proferiu o quarto voto contra o marco. O placar do julgamento está 4 votos a 2 contra a tese.
O deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), defendeu o lado ruralista e apontou que a derrubada do marco temporal pode gerar um “passivo gigantesco” ao direito de propriedade no Brasil. “O fim do marco temporal representa talvez uns casos mais graves de insegurança jurídica e quebra ao direito de propriedade previsto na Constituição”, afirmou o deputado ao Correio.
Nesta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento que tem gerado intensos debates em todo o país: a validade do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Até o momento, o placar estava em quatro votos a favor da demarcação e dois contra.
Os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso entendem que o direito à terra das comunidades indígenas não depende de estarem ocupando o local em outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Por outro lado, os ministros Nunes Marques e André Mendonça defendem que a data deve ser fixada como marco temporal da ocupação.
Moraes votou contra o limite temporal, mas estabeleceu a possibilidade de indenização a particulares que adquiriram terras de “boa-fé”. Pelo entendimento, a indenização por benfeitorias e pela terra nua valeria para proprietários que receberam do governo títulos de terras que deveriam ser consideradas como áreas indígenas. A possibilidade de indenização aos proprietários por parte do governo é criticada pelo movimento indigenista.
Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a possibilidade é “desastrosa” e pode inviabilizar as demarcações. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirma que a possibilidade de indenização ou compensação de território vai aumentar os conflitos no campo.
Projeto do Marco Temporal é de responsabilidade legislativa
O Projeto de Lei 490/07 está em análise no Senado e foi aprovado na forma de um substitutivo do relator, deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA). O Projeto de Lei 490/07 transfere do Poder Executivo para o Legislativo a competência para realizar demarcações de terras indígenas. Segundo o texto, que tramita na Câmara dos Deputados, a demarcação será feita mediante aprovação de lei na Câmara dos Deputados e no Senado. A proposta altera o Estatuto do Índio.
Segundo o texto, para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente, deverá ser comprovado objetivamente que elas, na data de promulgação da Constituição, eram, ao mesmo tempo, habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.
Dessa forma, se a comunidade indígena não ocupava determinado território antes desse marco temporal, independentemente da causa, a terra não poderá ser reconhecida como tradicionalmente ocupada.
O substitutivo prevê ainda: permissão para plantar cultivares transgênicos em terras exploradas pelos povos indígenas, proibição de ampliar terras indígenas já demarcadas, adequação dos processos administrativos de demarcação ainda não concluídos às novas regras, e nulidade da demarcação que não atenda a essas regras.
O que diz a FPA
Segundo o presidente da FPA, deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), os temas referentes ao direito de propriedade sempre foram prioridade para a bancada. Especialmente, por serem pilares da segurança jurídica e da pacificação no campo. Lupion afirmou que o marco temporal só evolui, graças aos esforços da FPA no Congresso Nacional.
“As vitórias que obtivemos na Câmara e que estamos obtendo no Senado são consequência do intenso trabalho dos parlamentares. Estamos mostrando aos ministros do Supremo os riscos de não reconhecer o marco temporal. É algo que afetará todo o país”, explicou.
Questionado sobre a presença de prefeitos e produtores rurais que estiveram em Brasília por apoio ao projeto de lei do Marco Temporal, Lupion destaca que é um direito de cada cidadão lutar pelo o que considera justo. “É um direito dos produtores rurais se mobilizarem e eles devem mostrar essa aflição e indignação. Ninguém melhor que os representantes e pessoas diretamente afetadas para mostrar a realidade. Não reconhecer o marco temporal é desrespeito ao direito de propriedade”, disse.
Entenda
No julgamento, os ministros discutem o chamado marco temporal. Pela tese, defendida por proprietários de terras, os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época. Os indígenas são contra o entendimento.
O processo que motivou a discussão trata da disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da terra é questionada pela procuradoria do estado.
Situação preocupa produtores e municípios
Em Santa Catarina, a situação é particularmente complexa, pois há centenas de famílias de produtores rurais ameaçadas de perder suas propriedades. Segundo a Secretaria de Estado da Agricultura e Pesca de Santa Catarina, cerca de duas mil famílias estão em áreas urbanas e rurais em litígio em todo o estado.
A possibilidade de derrubar o marco temporal já está causando impactos e tensões em várias regiões de Santa Catarina. O secretário da Agricultura, da Pesca e do Desenvolvimento Rural do estado, Valdir Colatto, destacou a preocupação dos produtores rurais, que estão bloqueados de financiar suas lavouras e pedem que a realidade das pequenas propriedades seja considerada.
Em entrevista ao Meio-dia em Brasília desta segunda-feira (11), o presidente do Sindicato Rural de Santa Cruz do Xingu, Jacinto Colombo, afirma que a possibilidade de demarcação da Terra Indígena (TI) Kapôt Nhĩnore, localizada nos estados do Pará e Mato Grosso, pode comprometer a economia de várias cidades na região.
“[A demarcação] Inviabiliza totalmente nosso segmento. É uma região extremamente agrícola e isso impacta diretamente na produção, no sustento das famílias. Hoje, a área passível de demarcação atinge 37% do município de Santa Cruz e está causando um grande transtorno para nós aqui na cidade”, diz o produtor rural.
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