‘RG do Boi’: identificação de bovinos fortalece pecuária e preservação

O plano nacional de identificação de bovinos e búfalos, busca rastrear cada animal do nascimento ao abate, atendendo a demandas sanitárias e ambientais.

Após dois anos de intensas discussões entre ambientalistas, produtores e exportadores, o governo brasileiro lançou, no final do ano passado, o Plano Nacional de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos. O objetivo é que todo o rebanho nacional seja identificado e rastreado individualmente, desde o nascimento até o abate.

Atualmente, a rastreabilidade é realizada por meio da Guia de Trânsito Animal (GTA), documento obrigatório para o transporte de animais. No entanto, a GTA é emitida por lotes e não contempla informações individuais de cada animal, apresentando fragilidades apontadas por especialistas.

A nova iniciativa foi bem recebida por representantes do setor produtivo e por ambientalistas, embora alguns pontos de atenção tenham sido destacados. Marina Guyot, gerente de Políticas Públicas do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), afirma que o plano demonstra o compromisso do governo federal com a obtenção de informações de maior qualidade na cadeia produtiva da carne. “Por isso estão chamando esse novo sistema de ‘RG do boi'”, comenta Guyot, que participou ativamente das negociações com o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).

O plano recém-lançado pretende reunir diversas informações sobre cada um dos mais de 238,6 milhões de bovinos e 1,6 milhão de búfalos registrados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no último ano. Esses dados serão coletados por meio de um registro colocado na orelha do animal, conhecido como “brinco-RG”, que o acompanhará do nascimento ao abate. Informações como data e local de nascimento, sexo, espécie, vacinas recebidas e propriedades pelas quais o animal passou serão registradas.

Marina Guyot destaca que, no âmbito sanitário, essa rastreabilidade é fundamental para facilitar o controle de doenças. Além disso, o plano coloca o Brasil em um novo patamar no mercado externo, atendendo a exigências de acordos com países como a China, maior importador de carne brasileira.

Roberto Perosa, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), reforça que o novo sistema atenderá aos mercados “mais exigentes do mundo”, incluindo a Europa, terceira maior compradora de carne do Brasil, atrás apenas da China e dos Estados Unidos.

Diferentemente da China, a Europa impõe exigências que vão além das regras sanitárias. Em abril de 2023, a União Europeia aprovou o Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR, na sigla em inglês), que proíbe a importação e o comércio de produtos derivados de commodities como gado, soja, óleo de palma, café, cacau, madeira e borracha, provenientes de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020.

Conhecida como lei antidesmatamento europeia, a previsão era que entrasse em vigor em 30 de dezembro do ano passado. No entanto, após negociações, o Parlamento Europeu aprovou a postergação da lei por um ano. Para atender a essas exigências, a rastreabilidade individual será essencial.

Embora o Brasil seja o maior exportador de carne bovina do mundo há mais de duas décadas, o país ainda não possuía um sistema efetivo de rastreamento individual de cada animal. Agora, às vésperas de sediar a COP em Belém do Pará, o Brasil corre contra o tempo para se adequar às exigências ambientais do mercado externo.

“Alguns dos maiores concorrentes do Brasil, como Austrália e Uruguai, já possuem rastreabilidade individual”, lembra Guyot.

Além das exigências comerciais, a rastreabilidade individual, se bem implementada, beneficiará também o consumidor final que se preocupa com a origem da carne que consome. Iniciativas como o Do Pasto ao Prato buscam oferecer mais transparência na cadeia produtiva da carne no Brasil. Por meio de um aplicativo, é possível, diretamente do mercado, verificar se o produto possui procedência confiável.

Dariele Santos, coordenadora de impacto da iniciativa, afirma que conhecer a origem dos alimentos confere poder de escolha ao consumidor. “Além disso, o consumidor tem papel importante na mudança e na busca por mais transparência no setor”, destaca.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) em 2023 apontou que, caso a carne trouxesse informações sobre a origem no rótulo ou embalagem, isso seria considerado por nove entre dez consumidores no momento da compra.

Apesar de comemorado por ambientalistas e produtores, o Plano de Rastreabilidade apresenta desafios. Um dos principais é o prazo de implementação. O governo estabeleceu um período de oito anos para a completa adoção do sistema, considerando a dimensão do território brasileiro, o tamanho do rebanho e a necessidade de adequação dos estados às novas regras.

“Conseguimos que a política seja obrigatória, mas com a ambição baixa de ser implementada totalmente em todo o Brasil em oito anos”, observa Guyot.

Roberto Perosa lembra que outros mercados importantes também levaram tempo para implementar totalmente a rastreabilidade individual, como a Austrália. “Existem diversas possibilidades no meio do caminho que podem acelerar etapas, havendo a possibilidade de ser implementado mais cedo”, pondera.

A pastagem tem sido a principal causa do desmatamento ilegal na Amazônia entre 1985 e 2023, de acordo com o MapBiomas, projeto dedicado a monitorar a cobertura e o uso da terra no Brasil. Nesse período, a área de pastagem na Amazônia cresceu mais de 363%. Atualmente, quase metade do rebanho bovino brasileiro — 45% — está distribuída pelos estados da Amazônia Legal.

Além do impacto no desmatamento ilegal, a pecuária foi o setor que mais registrou aumento nas emissões de gases de efeito estufa em 2023, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima.

Esse é um ponto de atenção importante, especialmente porque o Brasil é um dos 103 países signatários do Acordo Global de Metano, firmado na COP de Glasgow em 2021, que visa reduzir em 30% as emissões de metano até 2030.

Embora o novo Plano de Rastreabilidade não mencione explicitamente objetivos ambientais, Roberto Perosa acredita que a questão ambiental está intrinsecamente relacionada. “A rastreabilidade está muito ligada à questão ambiental e ao desmatamento”, afirma.

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