Alto Taquari tem oportunidade para conservar solo, água e biodiversidade e, ao mesmo tempo, contribuir para a descarbonização da pecuária.
A bacia do rio Taquari, um dos principais formadores do Pantanal, enfrenta sérios problemas de degradação. A parte mais alta da bacia (Alto Taquari) tem cerca de 2,8 milhões de hectares, onde o rio drena solos muito arenosos e com elevados índices erosivos. Ao entrar na planície pantaneira, o rio forma um dos maiores leques aluviais do mundo, com cerca de 5,2 milhões hectares (36% de todo o Pantanal). Planalto e planície se conectam e são interdependentes e as expressivas erosões no planalto causam o assoreamento dos rios na planície.
A ocupação mais intensiva do Alto Taquari teve início no final dos anos 70 e início dos anos 80, com a conversão vegetal seguindo de forma desordenada, sem priorizar os processos de conservação do solo e dos cursos d’água. O desmatamento avançou sobre áreas de proteção e a exposição do solo ocasionou processos erosivos muito intensos.
Tudo isso agravado pela natureza arenosa dos solos da região, que apresentavam pouca resistência à força das enxurradas. Formaram-se voçorocas imensas, que passaram a avançar nas áreas de agricultura e pastagens, atingindo até mesmo os remanescentes de vegetação nativa.
Com o passar do tempo, as áreas onde a agricultura se estabeleceu, mais planas e com maior quantidade de argila, acabaram controlando seus processos erosivos, reduzindo muito o impacto. Já a bovinocultura de corte extensiva se instalou nas áreas mais arenosas e pobres em nutrientes, geralmente com topografia mais acidentada.
Essas áreas, além de ter um potencial produtivo mais baixo, foram se esgotando com o tempo, causando gradativa redução na produtividade, na rentabilidade do pecuarista e, consequentemente, em sua capacidade de investimento. O sistema de produção extensivo característico da região, com poucas divisões de pasto, animais bebendo água nos córregos e nascentes, acesso livre às áreas de preservação permanente e de reservas legais, ausência ou falta de manutenção de terraços e bacias de contenção, agravou a situação.
Em paralelo, o Alto Taquari vem recebendo atenção das autoridades e de projetos de recuperação há várias décadas. Desde os anos 90, projetos e iniciativas de conservação do solo e restauração de voçorocas foram realizados com relativo sucesso, mas pouca durabilidade. Mesmo aqueles que funcionaram nos primeiros anos, enfrentaram a volta do problema com o passar do tempo. As voçorocas permaneciam ativas, abastecidas por fortes enxurradas vindas das áreas de pastagem acima.
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Os técnicos que atuaram nos projetos são unânimes em apontar a principal razão: os projetos estavam sempre focados na engenharia da conservação do solo, erguendo terraços, cercando as matas e até promovendo o replantio de árvores. Entretanto, um fator importante acabava ficando de fora: a restauração produtiva da pecuária. Terraceamento sem a correção do solo e um replanejamento estrutural, técnico e de gestão da unidade de produção acaba por não atingir a raiz do problema, ou seja, o desgaste das pastagens e a perda de competitividade da propriedade.
A restauração ambiental traz grandes benefícios para a sociedade ao restabelecer os serviços ecossistêmicos em um território, conservando solos, água e biodiversidade. Quando o processo é acompanhado de uma restauração da produção, acrescenta-se a essa equação o serviço de provimento de alimentos.
A solução para os problemas ambientais e socioeconômicos do Alto Taquari, assim como do assoreamento na planície pantaneira, passa por uma abordagem integrada, onde ao mesmo tempo se invista na restauração da vegetação nativa nas áreas de preservação permanente e entorno de voçorocas, nas práticas de conservação do solo e na reestruturação da bovinocultura de corte na região.
A restauração das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e entorno das voçorocas traz consigo a proteção dos mananciais hídricos, a conservação da biodiversidade e a possibilidade de sequestro de carbono na vegetação nativa em recomposição. O estabelecimento de estruturas como terraços e bacias de contenção contêm as enxurradas e seguram erosões.
A reforma das pastagens promove uma melhor cobertura do solo, infiltração de água e melhora o balanço de carbono, que acaba sendo sequestrado pelo solo e pela planta. Uma maior disponibilidade de forragem contribui para maior produtividade do rebanho, com melhores taxas de natalidade, desmame, ganho de peso e precocidade. Já a reestruturação da propriedade possibilita um melhor manejo das pastagens, mantendo sua produtividade e longevidade, além de impedir que o gado desça até os córregos e nascentes, evitando a formação das trilhas, que se tornam os caminhos preferenciais das enxurradas.
A intensificação do uso do solo nessas áreas degradadas não significa mais pressão. Ao contrário, significa recuperar a capacidade produtiva desses ambientes ao mesmo tempo em que se produz mais por área. Pastagem recuperada e bem manejada, além de sequestrar mais carbono, melhora os índices de produtividade da bovinocultura de corte.
Com isso, a permanência dos animais no campo diminui, o que também reduz a quantidade de gases de efeito estufa emitidos por unidade de carne produzida. Para se ter uma ideia da importância desse ponto, no Mato Grosso do Sul, 49% das emissões totais de Gases de Efeito Estufa (GEE) são provenientes da fermentação entérica dos bovinos e somente 20% do rebanho é abatido com menos de 24 meses. Diminuir a idade de abate de 36 para 24 meses significa uma redução de pelo menos um terço das emissões da carne produzida. A descarbonização da cadeia de carnes é fundamental para o estado atingir sua meta de ser carbono neutro em 2030.
A tarefa não é simples. A visão integrada exige arranjos institucionais complexos, envolvendo produtores, governos e organizações sociais. Demanda uma abordagem territorial, com coordenação de esforços e a união entre conservação e produção. Mas é justamente aí que está a grande oportunidade. A restauração ambiental e a intensificação produtiva do Alto Taquari representam uma situação única na qual o casamento entre produção sustentável e preservação ambiental tem o potencial de transformar em modelo uma das regiões mais ameaçadas pela degradação no país.
Fonte: Renato Roscoe é engenheiro agrônomo e diretor-executivo do Instituto Taquari Vivo