Região do Matopiba passa de 18 para 35 milhões de toneladas de grãos, mas corre risco

O uso excessivo de água no Matopiba pode comprometer até 40% da capacidade futura de expansão da irrigação da nova fronteira agrícola do país, que cresceu 92% desde 13/14, passando de 18 para 35 milhões de toneladas de grãos produzidos.

A região do Matopiba, uma das maiores fronteiras agrícolas do Brasil, passou de 18 para 35 milhões de toneladas de grãos nos últimos dez anos, consolidando-se como um polo essencial para o agronegócio nacional. Porém, o crescimento acelerado traz consigo riscos significativos de escassez hídrica. Estudos recentes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que, entre 2025 e 2040, até 40% da demanda de água para irrigação poderá não ser atendida, colocando em risco a viabilidade agrícola da região.

Acrônimo formado pelas siglas de quatro Estados – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia –, o Matopiba está inserido predominantemente no Cerrado (91% da área ou 665 mil km2), tendo apenas 7,3% na Amazônia e 1,7% na Caatinga. Em sua parte sudeste, é abastecido pela bacia do rio Grande, que cobre cerca de 76 mil km2.

Superexploração Hídrica e Impactos das Mudanças Climáticas

A pesquisa do Inpe, conduzida pela cientista Ana Paula Aguiar em colaboração com o Centro de Resiliência de Estocolmo, analisou o impacto do uso excessivo de recursos hídricos e das mudanças climáticas sobre a bacia do rio Grande, responsável por abastecer parte do Matopiba. A sobrecarga no aquífero Urucuia e nos corpos d’água superficiais é preocupante, especialmente considerando que mais de 90% da água retirada é destinada à irrigação agrícola.

Celso von Randow, pesquisador do Inpe e coautor do estudo, explica que o uso intensivo de água na agricultura nem sempre considera uma visão integrada das necessidades e pressões sobre o recurso. “A dinâmica de sistemas permite simular as relações entre uso da terra, energia e água, oferecendo uma visão holística para a tomada de decisões,” afirma.

O Modelo de Dinâmica de Sistemas e os Cenários de Futuro

Para investigar a sustentabilidade da expansão agrícola no Matopiba, os pesquisadores aplicaram um modelo de dinâmica de sistemas que projeta os impactos da agricultura sobre os recursos hídricos. O estudo simula diferentes cenários para prever como o uso da terra, o consumo de água e as mudanças climáticas podem alterar o ecossistema da região ao longo do tempo.

As previsões indicam que, até 2040, a vazão de água disponível para irrigação pode cair drasticamente, ao passo que a demanda aumentará. Segundo os modelos, a necessidade de água para irrigação subirá de 1,53 m³/s, entre 2011 e 2020, para 2,18 m³/s entre 2031 e 2040. A pressão sobre o sistema hídrico pode limitar o crescimento agrícola e gerar sérios desafios para o desenvolvimento sustentável.

Consequências Ambientais e Emissões de Gases de Efeito Estufa

O crescimento agrícola no Matopiba não apenas sobrecarrega os recursos hídricos, mas também impacta significativamente o meio ambiente. Entre janeiro de 2023 e julho de 2024, o Matopiba foi responsável por 80% das emissões de CO₂ associadas ao desmatamento no Cerrado, emitindo cerca de 135 milhões de toneladas de CO₂ na atmosfera. Essa realidade agrava as condições climáticas da região, contribuindo para o aumento de temperatura e a queda nos níveis de chuvas, elementos cruciais para a manutenção dos ciclos hídricos.

A destruição da vegetação nativa reduz a evapotranspiração, fator essencial para a formação de chuvas, e intensifica o escoamento superficial, o que limita a recarga dos lençóis freáticos e afeta o fluxo dos rios.

Recomendações e Medidas para a Sustentabilidade no Matopiba

O estudo propõe uma série de recomendações para mitigar os efeitos da superexploração hídrica e promover um uso mais racional dos recursos. Dentre as ações sugeridas estão:

  1. Revisão das Outorgas Hídricas: Atualizar as permissões de uso de água para alinhar as retiradas ao novo cenário climático, evitando a exploração acima do permitido.
  2. Fiscalização de Poços Clandestinos: Monitorar e coibir a exploração de águas subterrâneas de forma ilegal, que pode comprometer ainda mais o aquífero Urucuia.
  3. Incentivo ao Uso Eficiente da Água: Adotar técnicas de irrigação mais eficientes e tecnologias que otimizem o uso da água na agricultura.
  4. Proteção das Áreas de Recarga: Impedir que as áreas responsáveis pela recarga dos aquíferos sejam desmatadas ou utilizadas para outros fins agrícolas.

Perspectivas e Estudos Futuros

O projeto Nexus – Caminhos para a Sustentabilidade, liderado pelo pesquisador Jean Ometto, integra essas descobertas e busca estratégias para uma transição sustentável nos biomas Cerrado e Caatinga. O grupo se reunirá na Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), em dezembro, na Arábia Saudita, onde discutirão alternativas para combater a desertificação e conservar os recursos naturais.

Desafios para o Futuro do Agronegócio no Matopiba

O cenário atual e as projeções indicam que, se a expansão agrícola no Matopiba continuar sem regulamentação adequada e sem atenção ao uso dos recursos hídricos, a região pode enfrentar sérias crises hídricas e socioambientais. A sustentabilidade do setor depende de medidas que garantam um equilíbrio entre a produção agrícola e a preservação dos recursos hídricos e naturais.

O estudo completo, intitulado Long-term sustainability of the water-agriculture-energy nexus in Brazil’s MATOPIBA region: A case study using system dynamics, está disponível na revista Ambio.

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