TJMT reconhece recurso da Amaggi, autoriza arresto de milho atrelado a uma CPR que foi vendido por Marlon Engler, a Ramax. Agora, decisão polêmica que acaba de ser publicada autoriza retirada forçada de grãos, impactando diretamente na alimentação do gado confinado.
Em uma decisão polêmica – divulgada ontem pelo Compre Rural – e envolta em alegações de pressão política, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) decidiu, na última semana, reconhecer a tempestividade de um agravo de instrumento interposto pela Amaggi Exportação e Importação Ltda., contrariando fundamentos jurídicos amplamente aceitos. O TJMT reconhece recurso da Amaggi e autoriza arresto de milho, recurso esse considerado intempestivo pela Ramax Importação e Exportação de Alimentos Ltda., e permitiu a continuidade do arresto de grãos de milho armazenados na sede da empresa, gerando sérios prejuízos financeiros e operacionais.
O milho, que já havia sido integrado ao sistema de alimentação de animais confinados da Ramax, é um insumo essencial para a manutenção da saúde e do bem-estar dos rebanhos. “A retirada forçada dos grãos não apenas compromete a operação da empresa, como também resulta em maus-tratos aos animais, que estão sendo privados de alimento adequado e regular”, explica Queurlei Ebling, gestora do Confinamento RAMAX-Group. Especialistas alertam que essa privação pode ter consequências irreversíveis para os rebanhos, configurando violação às normas de bem-estar animal.
Os dois lados da disputa entre Amaggi e Ramax, pelo milho
O produtor rural Marlon Engler, de Juara (MT), firmou em fevereiro de 2024 um contrato com a Amaggi, atrelado a uma Cédula do Produto Rural (CPR), comprometendo-se a destinar 70 mil sacas de milho da safra passada como garantia, sob risco de penhora. Contudo, em maio, Engler descumpriu o acordo ao vender e entregar 18.248,67 sacas ao confinamento da Ramax, também localizado na região. Iniciava, então, uma disputa entre os dois “proprietários” dos grãos.
No sábado passado, a Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) acatou um recurso apresentado pela Amaggi, autorizando o arresto de bens. Com a decisão, a empresa, acompanhada por uma oficial de justiça e com suporte policial, iniciou a retirada de uma quantidade de milho que considera de sua propriedade, utilizando caminhões e infraestrutura própria.
Contudo, uma nova decisão judicial favorável à Ramax suspendeu o arresto. A juíza Ana Cristina Silva Mendes concedeu um prazo de 48 horas para que a Amaggi e a oficial de justiça explicassem alegações de possíveis abusos durante a retirada do milho. Em resposta, a Amaggi relatou tentativas de obstrução na operação, incluindo dificuldades no carregamento e ofensas dirigidas à oficial de justiça e ao advogado da empresa. Após análise, a juíza aceitou os argumentos e determinou que a operação fosse retomada nesta quinta-feira, 16 de janeiro. Por sua vez, a Ramax afirmou que continuará recorrendo judicialmente junto ao TJMT.
Marcelo Fraga, gerente jurídico da Amaggi, destacou ao AgFeed que a empresa mantém um planejamento rigoroso desde o plantio até a logística de entrega dos grãos, incluindo contratos registrados em cartório como garantia. Ele afirmou: “Nosso negócio é a cadeia do grão, e é preciso cumprir contratos. Não posso entregar histórias para o cliente”.
Ainda segundo Fraga, a Ramax não verificou corretamente as garantias do milho em cartório ou, se o fez, assumiu o risco. Ele também lamentou a alegação de que a Ramax não teria ração suficiente para alimentar os animais em confinamento, mas reforçou que o processo judicial se arrasta há mais de seis meses e que, em decisão inicial, a Justiça determinou que o milho fosse armazenado à disposição da Amaggi. Fraga criticou ainda a postura da Ramax, que, segundo ele, nunca buscou acordo. “Ela comprou mal e tem que arcar com o erro”.
Já Magno Alexandre Gaia, CEO da Ramax, defendeu que o milho foi pago e consumido pelos animais do confinamento, que abriga 35 mil cabeças por ano. Para ele, o produto requisitado pela Amaggi já não existe mais, e o pedido judicial desconsidera o impacto na operação da empresa, incluindo possíveis maus-tratos aos animais e demissões.
Gaia afirmou: “Montaram uma operação de guerra, com arrombamento do confinamento, ação policial e transtornos. Não houve bom senso na decisão”.
Ele ainda estimou que cerca de 6 mil sacas de milho foram arrestadas, das 18 mil requisitadas, e relatou que a retirada ocorreu em condições adversas, como chuva, com grãos sendo usados como suporte para os caminhões. Gaia também contestou o andamento do processo, argumentando que a Amaggi perdeu prazos para recurso.
Questão da intempestividade
A controvérsia ganha força diante da alegação de que o recurso da Amaggi foi apresentado fora do prazo legal. “O TJMT desconsiderou que a Amaggi teve ciência inequívoca da decisão liminar em momento anterior ao início do prazo recursal, configurando o chamado ‘comparecimento espontâneo’, conforme previsto no artigo 239, § 1º, do Código de Processo Civil (CPC)”, detalha Queurlei.
A Ramax sustenta que o reconhecimento da tempestividade do recurso viola os princípios da segurança jurídica e do devido processo legal. “A decisão afronta a legislação processual e cria um precedente perigoso, onde o tempo processual é relativizado por conveniência, prejudicando empresas que atuam dentro da legalidade”, afirmou a gestora.
Prejuízos financeiros e operacionais
O impacto do arresto dos grãos vai além das questões jurídicas. A Ramax, que opera com animais confinados, sinaliza que os grãos retirados são fundamentais para a alimentação de milhares de animais, comprometendo diretamente sua saúde e crescimento. “Estamos diante de uma situação que não só nos prejudica economicamente, mas que também coloca em risco vidas. Essa ação caracteriza maus-tratos aos animais e viola normas de bem-estar animal” reforça Queurlei.
Recursos e expectativas
A Ramax irá recorrer da decisão, buscando a anulação do arresto e a reparação dos prejuízos causados pela retirada indevida dos grãos. “Estamos confiantes de que instâncias superiores reconhecerão o erro jurídico cometido e restaurarão a justiça. Não podemos permitir que interesses políticos ou econômicos se sobreponham à lei e a ética”, declarou a gestora.
A decisão do TJMT, ao que tudo indica, está longe de ser o capítulo final desse embate jurídico. Enquanto isso, os prejuízos acumulados pela Ramax e os impactos para o bem-estar animal permanecem em evidência, levantando questionamentos sobre a transparência e a equidade das decisões judiciais em casos de alta relevância econômica.
A trajetória da Ramax no mercado de carne
Fundada em 2008 como uma trading, a Ramax começou exportando carnes de frigoríficos brasileiros, argentinos e paraguaios. O CEO, Magno Gaia, utilizou sua experiência no Frigorífico 4 Marcos, que foi adquirido pela JBS após recuperação judicial, para expandir os negócios da empresa.
Hoje, a Ramax atua em toda a cadeia pecuária, incluindo engorda e confinamento de animais, abate, operações de frigoríficos em Guarantã do Norte (MT) e Presidente Prudente (SP), além de manter uma plataforma digital na China para entrega de carne a restaurantes. Em 2024, a empresa confinou 35 mil cabeças de gado, abateu 240 mil animais e exportou 38 mil toneladas de carne. Para 2025, a expectativa é ampliar para 45 mil cabeças confinadas, 280 mil abatidas e 60 mil toneladas exportadas, com um faturamento projetado de R$ 2,2 bilhões, frente aos R$ 1,4 bilhão alcançados em 2024.
Com sede nos Estados Unidos e unidades em Santana do Parnaíba (SP), Sinop (MT), Xinguara (PA), Dubai e Líbano, a Ramax consolida sua presença global enquanto busca soluções para os desafios locais impostos pela disputa judicial.
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