Protocolo viabiliza mudas em larga escala para o cultivo sustentável de açaí-solteiro na Amazônia

Com a nova metodologia, é possível obter mudas com qualidade sanitária e alto padrão comercial, adaptadas ao ambiente local e resistentes a doenças.

Um novo protocolo de produção de mudas desenvolvido pela Embrapa pode transformar o cultivo do açaí-solteiro em uma atividade planejada, sustentável e rentável para a Amazônia. A tecnologia reúne conhecimentos científicos inéditos e foi elaborada especialmente para atender produtores, viveiristas e técnicos da região que enfrentam dificuldades para implantar pomares da espécie. Com a nova metodologia, é possível obter mudas com qualidade sanitária e alto padrão comercial, adaptadas ao ambiente local e resistentes a doenças, como a antracnose, a principal inimiga da cultura.

A pesquisa foi conduzida pela Embrapa Acre, ao longo de sete anos, e responde a uma demanda crescente por frutos de açaizeiro-solteiro (Euterpe precatoria Mart.), palmeira nativa da floresta amazônica. A espécie é bastante comum em estados como Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima, mas sua exploração ainda é majoritariamente extrativista. Com o novo protocolo, o cultivo em áreas alteradas se torna uma alternativa comercial viável, contribuindo para a conservação de florestas nativas, da biodiversidade e fortalecimento da bioeconomia regional.

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Os frutos do açaizeiro são matéria-prima para agroindústrias de processamento de polpa, produto comercializado com mercados locais e de outros estados. A cultura gera trabalho e renda para centenas de famílias e representa uma das bases da bioeconomia regional, entretanto, a ausência de conhecimentos científicos para o processo de produção de mudas dificulta o cultivo e limita a produção.

Segundo a pesquisadora Aureny Lunz, a produção de mudas de açaí-solteiro ainda é baseada em técnicas recomendadas para o açaí-de-touceira. Embora essas espécies de açaizeiro pertençam ao mesmo gênero, elas se desenvolvem de maneira distinta e apresentam exigências particulares de clima e solo. O uso de técnicas inadequadas para a cultura resulta em mudas pouco vigorosas e com baixa resistência a doenças, problemas que comprometem a sobrevivência e o desenvolvimento das plantas.

“Reunimos informações técnicas genuínas para a produção de mudas, considerando necessidades e particularidades do açaí-solteiro. Bem aplicado e aliado a práticas adequadas de manejo, esse conhecimento possibilita a obtenção de plantas resistentes e capazes de manifestar todo o seu potencial produtivo, aspectos essenciais para garantir pomares sadios e rentáveis”, ressalta a pesquisadora.

Foto: Aureny Lunz

Foco da pesquisa

De acordo com o pesquisador da Embrapa Tabuleiros Costeiros (SE), Romeu Andrade Neto, que também participou do estudo, o açaí-solteiro é uma espécie de crescimento lento e bastante suscetível à antracnose (Colletotrichum spp), principal doença da cultura. Por isso, a produção de mudas é um processo demorado (leva entre 12 e 14 meses) e requer conhecimentos especializados sobre o comportamento da planta.

“A partir de demandas do setor produtivo e de programas governamentais de apoio ao cultivo comercial dessa espécie, percebemos a necessidade de disponibilizar informações científicas para garantir a oferta de mudas de qualidade, que pudessem atender a pequenas, médias e grandes propriedades”, enfatiza o pesquisador. 

A elaboração do protocolo

Foto: Aureny Lunz

Realizado por meio do projeto “Tecnologias para cultivo racional de açaizeiro (Euterpe oleracea e precatória) para a produção de frutos na região amazônica”, o estudo teve início em 2016 e avaliou o desenvolvimento de mudas em diferentes tipos de recipientes e substratos, a influência de níveis distintos de sombreamento, estratégias diferenciadas de adubação e de controle de doenças e a necessidade hídrica das plantas, em viveiro e em campo. Além disso, definiu práticas de manejo e tratamento de sementes para a produção de mudas com alto vigor e qualidade sanitária.

“Entre outros resultados, constatamos que o uso de substratos mais leves, com textura média a arenosa, para facilitar a drenagem de água, possibilita melhor crescimento e maior taxa de sobrevivência das plantas. Também atestamos que em termos de luminosidade, o ambiente ideal ocorre em níveis de sombreamento entre 65% e 75%, condição que ajuda no controle da antracnose. Além disso, o uso de fertilizantes de liberação controlada no processo de adubação garante melhor aproveitamento de nutrientes, processo que encurta o ciclo de produção das mudas e proporciona economia de mão de obra no viveiro”, explica Andrade Neto.

Os resultados da pesquisa estão disponíveis na publicação “Recomendações para a Produção de Mudas de Açaizeiro-Solteiro”, que aborda desde o planejamento de viveiros, até o controle de pragas e doenças, além de detalhes sobre a obtenção, seleção e manejo adequado das sementes, único mecanismo de propagação dessa espécie.

Produção planejada 

Contar com ampla oferta de mudas de qualidade permite o cultivo escalonado, estratégia que possibilita planejar a produção e pode gerar renda de forma contínua. Na propriedade do agricultor Loy Maleski, localizada em Vila Extrema, divisa com Acre e Rondônia, o açaí-solteiro, cultivado em sistema de monocultivo e em consórcio com outras espécies frutíferas, como coco e abacaxi, garante renda o ano inteiro. A área de dez hectares produz duas mil latas de frutos (com 20 litros), por safra, produção que rende 30 toneladas de polpa processada, volume todo comercializado com empresas de Rondônia e Acre.

Foto: Mauricilia Silva 

“Quando comecei com o cultivo de açaí-solteiro não tinha conhecimento sobre a espécie, por isso, perdi um viveiro com 25 mil mudas, mas, devido ao seu potencial, busquei informações sobre a cultura. Esse açaí tem um “vinho” mais encorpado e maior rendimento de polpa em relação ao açaí-de-touceira. A nossa média de produção é 16 litros de polpa por lata de frutos, enquanto com o açaí-de-touceira, possivelmente pelas condições locais de clima e solo, não ultrapassava oito litros por lata”, relata o produtor, que acredita que os cuidados na produção das mudas e com o manejo, especialmente adubação e irrigação, contribuem para a qualidade dos frutos do açaí-solteiro. 

Vantagens do uso de mudas de qualidade

Uniformidade e produtividade: A produção de mudas selecionadas de açaí-solteiro, com qualidade agronômica e sanitária, resulta em cultivos com plantas uniformes, mais produtivas e melhor adaptadas ao ambiente de plantio.

Sustentabilidade: A oferta de mudas de qualidade de açaí-solteiro em larga escala favorece a transição do extrativismo para o cultivo comercial da espécie, com aproveitamento de áreas alteradas na Amazônia. Essa estratégia ajuda a conferir maior sustentabilidade à cultura e conserva a biodiversidade da região.

Controle de doenças e pragas: O manejo adequado nas etapas de produção de mudas de açaí-solteiro, incluindo o controle sanitário em viveiros, reduz a incidência de doenças e pragas na cultura.

Expansão da cultura: A implantação de cultivos planejados possibilita aumento na produtividade, expansão da área plantada e o fortalecimento da cultura.

Importância da seleção de sementes

Um dos aspectos indispensáveis para a obtenção de mudas de qualidade de açaí-solteiro é o uso de sementes selecionadas. Aureny Lunz explica que, por não perfilhar, essa espécie se reproduz exclusivamente por sementes. “Essa característica torna a etapa de seleção de sementes essencial para garantir mudas saudáveis, com alta qualidade e produtividade. E investir em protocolos eficientes para a produção de mudas é outro requisito importante para assegurar o sucesso de cultivos comerciais”, afirma a pesquisadora.

Fortalecimento da bioeconomia

Foto: Vinícius Braga

Os estados do Amazonas e Acre se destacam na produção de polpa processada de açaí-solteiro. A fruta responde por 93% do volume comercializado por agroindústrias na região. Na última década, programas governamentais investiram na capacitação de técnicos e produtores para o plantio comercial da espécie, mas a atividade ainda é pouco expressiva. A oferta de mudas produzidas com base em critérios científicos pode alavancar esses empreendimentos.

Segundo o engenheiro florestal da Secretaria de Agricultura do Acre (Seagri), Vicente de Paula Simões, o desenvolvimento de tecnologias para a produção de mudas e manejo eficiente dos cultivos de açaí-solteiro é imprescindível para consolidar essa cadeia produtiva como geradora de trabalho e renda no campo e na cidade e fortalecer a bioeconomia regional. “A adoção de conhecimentos técnicos gerados pela pesquisa vai contribuir para o atendimento de uma demanda crescente por polpa congelada, de mercados nacionais e internacionais, e fomentar o uso desse produto da biodiversidade amazônica, aliado a práticas de conservação ambiental”, ressalta. 

Desafios para a pesquisa

No Amazonas, segundo maior produtor de açaí do Brasil, muitos produtores investem no cultivo comercial de açaí-solteiro, especialmente devido à qualidade e rendimento da polpa. Outra vantagem da cultura é a safra em período diferente do açaí-de-touceira, o que possibilita renda para as famílias em épocas distintas do ano. No município de Anori, principal fornecedor de frutos para Codajás, centro de produção e processamento de açaí com qualidade reconhecida por Indicação Geográfica (IG), mais de 90% dos plantios são formados com açaí-solteiro.

Para viabilizar a expansão sustentável da cultura, a Embrapa, por meio de suas Unidades do Amazonas e Acre, atua para estabelecer um programa de melhoramento genético do açaí-solteiro. Entre os objetivos da iniciativa está a realização de estudos de variabilidade genética da espécie para obtenção de cultivares com características de interesse dos produtores, como alta produtividade e qualidade de polpa, reduzido crescimento em altura e precocidade de produção. Outro desafio para a pesquisa é a recomendação de técnicas adequadas para manejo da cultura. 

De acordo com a pesquisadora da Embrapa Amazônia Ocidental (AM), Maria do Rosário Lobato Rodrigues, a produção de mudas de qualidade de açaí-solteiro pode contribuir para aumentar a produtividade e rentabilidade tanto de cultivos implantados como de áreas extrativistas, com o enriquecimento de populações nativas. Entretanto, a cultura exige estudos contínuos para aprimoramento do sistema de produção de mudas e garantia da sustentabilidade dos açaizais. 

“Além da seleção do material genético a ser cultivado, para o sucesso dos plantios comerciais é fundamental contar com um sistema de produção de mudas que proporcione taxas reduzidas de replantio, menor índice de mortalidade pós-plantio e plantas com produção precoce. Essas características reduzem custos na implantação, favorecem a ampliação das áreas de cultivo e permitem a oferta de frutos de qualidade, em larga escala, para agroindústrias da região, gerando mais renda para os produtores”, defende a pesquisadora.

Fonte: Embrapa

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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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