Produtores de café do Brasil recorrem à irrigação dispendiosa para saciar a demanda global pela bebida

Em alguns lugares no coração da tradicional região cafeeira do Brasil, no estado de Minas Gerais, o lençol freático caiu tanto que o fornecimento de água para fazendas irrigadas se tornou muito difícil.

A seca atingiu duramente os cafeicultores do Brasil no ano passado, secando as árvores e levando os preços globais a níveis recordes.

Mas Rodrigo Brondani espera uma colheita abundante.

A gigantesca plantação de Brondani no cerrado do estado da Bahia, no nordeste do Brasil, parece muito diferente das fazendas e propriedades nas encostas das montanhas, típicas do cultivo de café em grande parte da América Latina.

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Enquanto ele inspeciona fileiras de plantas carregadas de cerejas verdes de café, um longo braço de irrigação passa por cima, ali perto. Ele traça um amplo círculo acima das árvores a partir de um pivô central, como o ponteiro de um relógio.

“Isso parece muito bom”, disse Brondani, gerente-chefe da fazenda Joha, que tem 900 hectares (2.224 acres) de campos de café irrigados — mais de 20 vezes maior do que a média das fazendas de café no Brasil.

Esse tipo de fazenda em escala industrial com acesso à irrigação está se tornando cada vez mais importante para atender à demanda global de café no Brasil – o maior produtor do mundo. A maioria das fazendas na parte oeste da Bahia – uma nova fronteira para o cultivo de café no Brasil – agora são irrigadas.

Brondani espera produzir até 80 sacas de 60 kg (132,3 libras) de café por hectare naquele lote específico da fazenda, o dobro da produtividade média no Brasil. Aos preços atuais de mercado, a colheita mais recente da fazenda, encerrada em outubro, valeria cerca de US$ 17 milhões.

A Reuters conversou com mais de 20 agricultores, autoridades, agrônomos, especialistas em irrigação e executivos de empresas de café para examinar como as rápidas mudanças nos padrões de precipitação devido às mudanças climáticas estão transformando a cafeicultura.

Os produtores de café normalmente dependem das abundantes chuvas de primavera e verão do Brasil. A seca era rara e apenas cerca de 30% dos campos de café são irrigados, de acordo com avaliações da indústria.

Depois da seca do ano passado, isso está mudando. Mas a irrigação pode ser custosa, dependendo da distância de uma fonte de água e da profundidade do lençol freático.

Em alguns lugares no coração da tradicional região cafeeira do Brasil, no estado de Minas Gerais, o lençol freático caiu tanto que o fornecimento de água para fazendas irrigadas se tornou muito difícil.

As árvores em Joha são plantadas em nove círculos gigantes que se chocam uns contra os outros na vasta savana tropical. O layout circular facilita a irrigação. Há água suficiente aqui para irrigar a plantação por até 20 horas por dia.

As plantas brilhantes contrastam fortemente com as árvores ressecadas vistas em muitas fazendas de café atingidas pela seca no ano passado. Quando as chuvas chegaram, era tarde demais para salvar a safra de café de 2025.

Muitas das árvores que sobreviveram em Minas Gerais ficaram enfraquecidas, então elas produzirão menos grãos este ano. A oferta de café brasileiro, que responde por cerca de 35% do consumo global, deve cair novamente, de acordo com alguns analistas.

“As pessoas dizem que sem irrigação será muito difícil produzir café de forma lucrativa”, disse Osmar Junior, que disse que sua produção em uma fazenda menor em Minas Gerais, que não tem irrigação, caiu de 2.000 sacas em 2020 para 700 sacas em 2024.

Espera-se que 2025 marque a quarta vez nos últimos seis anos que o consumo global de café excede a oferta. Só nos últimos três anos, o mundo consumiu 12,5 milhões de sacas, ou 750.000 toneladas métricas, mais café do que produziu, de acordo com a Organização Internacional do Café. O déficit é equivalente a cerca de 7% da oferta anual global.

Como resultado, agricultores e torrefadores de café tiveram que esgotar o café que tinham armazenado para atender à demanda.

O déficit elevou os preços de referência do café em quase 25% já em 2025, após uma alta impressionante de 70% em 2024. O preço futuro do café arábica de alta qualidade atingiu um recorde de US$ 4,40 por libra em 13 de fevereiro.

Arabica coffee prices rose sharply since 2023. The line chart shows how much coffee futures’ prices increased at the ICE exchange from April 2023 to March 2025
Os preços do café arábica aumentaram acentuadamente desde 2023. O gráfico de linhas mostra o quanto os preços futuros do café aumentaram na bolsa ICE de abril de 2023 a março de 2025

Tudo isso significa um café da manhã mais caro. A Nespresso da Nestlé, a rede americana Starbucks e a JDE Peet, entre muitas outras, aumentaram os preços para os clientes. Dada a alta até agora neste ano, os consumidores logo terão que pagar ainda mais, disseram analistas.

Irrigação, mas sem água

A empresa proprietária da fazenda Joha, onde Brondani trabalha, diz que as mudanças climáticas significam que o futuro do cultivo de café será em fazendas fortemente irrigadas como esta.

“Na nossa visão, a cafeicultura mudou para sempre”, disse Sergio Vieira, diretor da holding AFB&IOB, uma das maiores produtoras de café do mundo, que detém cerca de 20.000 hectares de plantações de café no Brasil.

A AFB&IOB comprou a fazenda Joha em 2009, numa época em que o acesso à água para irrigação era menos urgente do que é agora para a indústria de café do Brasil. As coisas mudaram muito desde então.

“Estamos sempre procurando fazendas para comprar, mas o aspecto número um que levamos em consideração hoje em dia é a disponibilidade de água”, disse Vieira.

O oeste da Bahia fica em um dos maiores aquíferos do mundo, o Urucuia. O aquífero fica a apenas 20 metros ou mais abaixo da superfície em algumas áreas.

Mas, em Minas Gerais, os lençóis freáticos caíram tanto que, em alguns lugares, os agricultores precisam perfurar poços de 300 metros (984,25 pés) de profundidade para encontrar água.

Perfurar tão fundo é caro e arriscado, e pode resultar em fluxo de água fraco, disse o especialista em irrigação José do Espírito Santo.

Vários municípios de Minas Gerais limitaram a irrigação em 2024 por causa da seca.

“Tenho sistema de irrigação, mas não tinha água”, disse Mário Alvarenga, que cultiva café em uma fazenda de 300 hectares em Perdões, no cerrado mineiro.

A Fundação Procafe, órgão de pesquisa sobre café, monitora a umidade do solo em regiões cafeeiras de Minas Gerais.

Os dados mostraram que os solos na região de maior crescimento do sul de Minas tiveram um déficit hídrico para o crescimento ideal da planta de café de 300 milímetros (11,81 polegadas) no final da estação seca em outubro de 2024. Isso se compara a um déficit de 110 milímetros (4,33 polegadas) em 2023 no mesmo período e uma média de longo prazo de um excedente de 20 mm.

“Os recentes déficits (hídricos) que temos visto são assustadores”, disse o pesquisador do Procafe Rodrigo Paiva, referindo-se aos dados de 2023 e 2024.

Alto investimento

Além da disponibilidade de água, um fator-chave na cafeicultura é o capital. Os agricultores ao redor do mundo estão apenas agora colhendo os benefícios dos altos preços do café, depois de uma década de valores baixos que tirou muitos do negócio ou os deixou com dinheiro disponível mínimo.

Um sistema de irrigação por pivô central custa cerca de 1,5 milhão de reais ($ 263.000) cada. Um sistema diferente chamado gotejamento, onde pequenos canos de água são inseridos no solo com pequenos furos perto das plantas, pode custar cerca de 40.000 reais ($ 6.991) por hectare.

“É um investimento muito alto para um agricultor”, disse Hugo Guimarães de Oliveira, agrônomo e produtor de café da região de Guaxupé, em Minas Gerais, onde opera a maior cooperativa de café do mundo, a Cooxupé.

O presidente da Cooxupe, Carlos Augusto Rodrigues de Melo, disse que a irrigação fez a diferença nos últimos anos de seca. No entanto, apenas cerca de 20% da área ao redor da cooperativa tem esses sistemas, mas ele espera que esse número dobre em um período de três a cinco anos.

A cooperativa fez uma parceria com a empresa israelense de irrigação Netafim, líder global em sistemas de irrigação, para fornecer uma opção para seus agricultores associados instalarem tecnologia de gotejamento e pagarem com sacos de café ao longo do tempo.

Oliveira disse que os agricultores também podem melhorar os cuidados com as plantações, com técnicas de agricultura regenerativa para melhorar a capacidade do solo de reter umidade, juntamente com alguma renovação do campo – substituindo árvores velhas por novas variedades.

Com isso, junto com o sistema de gotejamento de água, ele acredita que a produtividade pode aumentar para até 70 sacos por hectare, em comparação com apenas 20 sacos por hectare em uma fazenda antiga sem irrigação.

Crescimento rápido

O número de sistemas de irrigação por pivô central como o da fazenda de Brondani aumentou 14% no Brasil de 2022 a 2024, de acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Os cafeicultores não são os únicos que se mudaram para o oeste da Bahia, uma nova fronteira agrícola no Brasil, onde os agricultores estão cultivando cada vez mais grãos, algodão, café, cacau e frutas.

A associação de produtores rurais da Bahia, AIBA, disse que, considerando os recursos hídricos disponíveis, há potencial para que a área total irrigada na região cresça de 300.000 hectares para 1 milhão de hectares nos próximos anos.

Pesquisas recentes, no entanto, levantaram preocupações sobre o que chamam de “superexploração” dos recursos hídricos na Bahia.

Um estudo publicado no ano passado pela organização sem fins lucrativos Imaterra com a Universidade Federal da Bahia (UFBA) diz que o governo local relaxou a regulamentação nos últimos anos relacionada a concessões para uso de água. Ele também diz que as ferramentas existentes para avaliar recursos hídricos são ineficientes.

A quantidade de água permitida ao crescente setor agrícola da Bahia — cerca de 17 bilhões de litros por dia — seria suficiente para abastecer nove vezes a população de São Paulo, a maior cidade do Brasil, com 11,5 milhões de habitantes, disseram os pesquisadores.

O Serviço Geológico Brasileiro (SGB) descobriu que o Urucuia perdeu 31 km cúbicos de água de 2002 a 2021, principalmente devido ao uso de água para agricultura. Isso é cerca de 2,3% das reservas permanentes do aquífero, estimadas em 1.327 km cúbicos.

Cientistas que trabalham para o SGB acreditam que o governo deveria aumentar as ferramentas de monitoramento, como poços no local.

Fonte: Reuters

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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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