Poços artesianos no Arco do Desmatamento alertam para gestão coletiva e legal dos recursos hídricos

Estudo realizado pelo MapBiomas identificou, de forma preliminar 50 mil represas privadas próximas de cabeceiras dos rios na região.

O ciclo da água está em constante mudança. Abundante no oceano, a água também dança nas nuvens; levada pelo vento, cai em gotas, molha o solo e escorre para a cabeceira de um rio, até desaguar no mar e começar tudo de novo. A água parece estar sempre disponível, mas isso não significa que acessá-la seja fácil. Desmatamento, déficit de preservação de mananciais e a repressão da água para uso privado são três dos fatores que levaram o Brasil a perder 15,7% de superfície de água desde o começo dos anos 1990, de acordo com um estudo conduzido pelo MapBiomas.

Tasso Azevedo, coordenador do trabalho, pondera que o entendimento por completo dessas causas ainda vai demandar mais investigação. Mas vê ligação com o agronegócio. Segundo ele, o estudo levantou, de forma preliminar, cerca de 50 mil represas privadas localizadas próximas às cabeceiras dos rios na região do chamado Arco do Desmatamento.

Essas represas, diz ele, geralmente são construídas em propriedades rurais, principalmente para atender à demanda por irrigação. “O desmatamento e a redução do fluxo em cursos naturais reduzem a capacidade da floresta de bombear água para a atmosfera, gerando mais seca, e a construção de mais reservatórios privados cria um ciclo de mais escassez”, explica Azevedo.

A pesquisa indica que vários pontos de maior redução da superfície da água encontram-se próximos a fronteiras agrícolas. Isso sugere que o aumento do consumo via construção de pequenas barragens em fazendas provoca assoreamento e fragmentação da rede de drenagem, sendo um dos fatores que podem explicar a diminuição da superfície de água no país.

“Se não implantarmos a gestão e o uso sustentável dos recursos hídricos considerando as diferentes características regionais e os efeitos interconectados como uso da terra e as mudanças climáticas, será impossível alcançar as metas de desenvolvimento sustentável”, alerta Carlos Souza, coordenador do Grupo de Trabalho de Água do MapBiomas.

Em tempos de seca, a construção de açudes ilegais ou a intervenção no curso dos rios representa risco de faltar ainda mais água de forma coletiva. Se essa repressão for feita próxima de onde nasce o rio, a interferência é maior ainda. Quem explica isso é Luciano Meneses, coordenador da área de administração da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

Ele obseva que a gestão hídrica é gestão de conflitos, pois é lidar como gerenciamento do mesmo bem para usos e públicos diversos. “Você tem um bem que todo mundo precisa, pois até hoje não acharam um substituto para a água. E, por causa disso, torna-se umbemquegera rivalidade”, afirma, ao comentar que a etimologia da palavra rivalidade vem do latim rivalis, que significa “aqueles que compartilham o uso de um rio”.

A região amazônica perdeu mais de 360 mil hectares de superfície de água, uma diferença de 22% em relação ao começo dos anos 1990 (Foto: Christian Braga/Greenpeace)

“A gestão hídrica é de conflitos, pois é lidar com o gerenciamento do mesmo bem para usos e públicos diversos” LUCIANO MENESES, coordenador da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

O Brasil possui 12% das reservas de água doce do planeta, constituindo 53% dos recursos hídricos da América do Sul, segundo dados da ANA. Na Amazônia, bioma com a maior área coberta por água no Brasil, um exemplo da redução de água é o Rio Negro.

De acordo com o estudo da ANA, a Amazônia perdeu mais de 360 mil hectares de superfície de água, uma diferença de 22% em relação ao começo dos anos 1990. O sinal de queda mais acentuada ocorreu entre 1999 e 2000, com redução de mais de 560 mil hectares, ou um pouco mais de 27% de diferença.

No Pantanal, a perda da superfície de água natural também é percebida, haja vista a seca que assola o bioma atualmente. E, de acordo com a pesquisado MapBiomas, isso pode ter relação com a construção de hidrelétricas nos rios. “Elas se somam a um modelo de produção agropecuária que altera o regime de drenagem da água e intensifica a deposição de sedimentos, reduzindo a vazão da água. Se esse modelo de desenvolvimento não for revisto, o futuro do Pantanal está comprometido”, ressalta Cássio Bernardino, coordenador de projetos do WWF-Brasil.

“Se esse modelo de desenvolvimento não for revisto, o futuro do Pantanal está comprometido”CÁSSIO BERNARDINO, coordenador de projetos do WWF-Brasil.

Meneses, da ANA, esclarece  que  a  lei federal  n° 9.433/1997 institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, em que os órgãos gestores devem fazer o controle, a mediação e a fiscalização da água, determinando como devem ser repartidas essas águas. É nesse ponto que se implica a obrigação da outorga, tanto para captação da água como para despejo de efluentes.

Ele explica que, como a água é um bem de domínio público, cabe ao poder público fazer o controle, inclusive limitar o uso rio acima, para garantir água aos usuários do rio abaixo. Para conceder uma outorga, Meneses lembra que é preciso análise jurídica e técnica, incluindo a verificação do retorno dessa água para o ciclo.

“Existem usuários da água à jusante, ou seja, rio abaixo. Numa bacia hidrográfica, qualquer intervenção que você faça, cedo ou tarde, em menor ou maior grau, afeta a bacia inteira. Ter a outorga significa ter uma segurança, pois, na hora em que não tiver água para todo mundo, quem possuir outorga vai ser considerado para manter o uso da água. Quem não tiver, vai ser considerado clandestino, e clandestino não tem direito”, resume Meneses.

Fonte: Globo Rural

Siga o Compre Rural no Google News e acompanhe nossos destaques.
LEIA TAMBÉM