
Disparada dos juros preocupa. Com financiamento mais caro, produtores captarão recursos a juros livres e taxas que chegarão a 25% ao ano ou mais. Menos crédito significa alimento mais caro
O Plano Safra, principal política pública de financiamento à produção agropecuária brasileira, enfrenta um cenário desafiador para a próxima temporada – Plano Safra 2025/26. Com a escalada da taxa de juros e recursos orçamentários limitados, crescem as preocupações sobre a capacidade do programa em atender à demanda dos produtores rurais. Especialistas e entidades do setor alertam para o risco de retração no volume de crédito disponível, o que pode afetar diretamente a produção de alimentos e pressionar ainda mais a inflação.
Juros altos e orçamento limitado
A análise feita pela Aprosoja Brasil destaca um cenário macroeconômico marcado por incertezas e custo elevado do dinheiro. A taxa Selic, atualmente em 14,25% ao ano, pode chegar a 15,25% até o final de 2025, segundo projeções. Esse é o maior patamar dos últimos 10 anos e compromete diretamente a política agrícola, que depende de recursos públicos para equalização dos juros nas operações de custeio e investimento.
Para a próxima safra, o orçamento aprovado para a equalização das taxas de juros manteve-se praticamente igual ao do ciclo anterior. São cerca de R$ 1,5 bilhão para custeio e R$ 4 bilhões para investimentos, totalizando R$ 5,5 bilhões para a agropecuária empresarial. Além disso, há previsão de R$ 1 bilhão para o Seguro Rural, contra os R$ 964 milhões do ano passado. Para a agricultura familiar, foram destinados R$ 8,8 bilhões, valor muito superior ao destinado à agropecuária empresarial.
Segundo a Aprosoja, o montante anunciado já está aquém da necessidade atual, considerando a alta nos custos de produção — impulsionada pelo dólar valorizado — e o aumento da área plantada.
Risco de falta de crédito
A combinação de juros elevados, orçamento reduzido e aumento dos custos tende a restringir o acesso ao crédito agrícola. A participação do crédito oficial no financiamento da safra, que historicamente representava cerca de 30% do total, pode cair para 20% na próxima temporada. Como consequência, os produtores serão obrigados a buscar alternativas no mercado privado, emitindo Cédulas de Produto Rural (CPR) ou financiando-se a taxas livres que podem atingir 25% ao ano ou mais.
Além disso, há preocupação com a cobertura do Seguro Rural, que deve ser reduzida de 10% para 6% da área agrícola, elevando o risco das operações para produtores e instituições financeiras.
Impacto no preço dos alimentos
A redução do crédito agrícola pode ter efeitos diretos sobre a oferta de alimentos no mercado interno. Com menos recursos para financiar a produção, a oferta tende a cair e os preços devem subir. A Aprosoja alerta que este cenário contribui para pressionar ainda mais a inflação, afetando principalmente o consumidor final.
O governo federal, por sua vez, tem adotado medidas para estimular o consumo e impulsionar a economia, como a liberação de crédito consignado, isenção de imposto de renda para rendas até R$ 5 mil e ampliação de programas sociais. Entretanto, essas medidas aumentam a demanda sem resolver o problema estrutural da oferta de alimentos, podendo ter efeito inflacionário.
Análise de especialistas
Segundo Guilherme Soria Bastos, coordenador do FGV Agro, para manter um Plano Safra robusto e com juros baixos, seria necessário um aumento expressivo nos recursos orçamentários — o que não está previsto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025. O valor destinado às operações de crédito rural permanecerá em R$ 15,03 bilhões, o mesmo do ciclo anterior.
José Carlos Vaz, ex-secretário de Política Agrícola, afirma que o efeito do aumento dos juros afeta toda a cadeia do agronegócio, principalmente os pequenos e médios produtores, que dependem das linhas subsidiadas para manter suas atividades.
Wolney Arruda, presidente do Banco Plantae, ressalta que os custos elevados e a dificuldade de acesso ao crédito tendem a comprometer a rentabilidade do produtor e agravar o cenário econômico.
David Télio, diretor da TerraMagna, sugere alternativas para amenizar o impacto, como a isenção do IOF nas operações de financiamento do agronegócio e a concessão de garantias de perdas pelo Tesouro Nacional às instituições financeiras, o que poderia reduzir os juros no mercado privado.
O que pode ser feito
A Aprosoja defende que o Congresso Nacional aprove um PLN (Projeto de Lei do Congresso Nacional) para suplementar o orçamento do Plano Safra 2025/26 com, pelo menos, R$ 10 bilhões adicionais. A proposta prevê elevar os recursos para:
- Custeio: de R$ 1,5 bilhão para R$ 5 bilhões
- Investimentos: de R$ 4 bilhões para R$ 6,5 bilhões
- Seguro Rural: de R$ 1 bilhão para R$ 4 bilhões
Além disso, o setor agropecuário tem sugerido ao governo medidas estruturantes para conter a inflação, incluindo reformas administrativas, responsabilidade fiscal e controle dos gastos públicos.
O agronegócio brasileiro responde por um PIB superior a R$ 2,5 trilhões e gera um Valor Bruto da Produção de R$ 1,4 trilhão dentro da porteira. Para analistas e entidades do setor, não é razoável que o governo não amplie o apoio ao Plano Safra, considerando os impactos positivos que um programa robusto pode trazer para o equilíbrio da economia e para o combate à inflação dos alimentos.
Sem um reforço orçamentário, o produtor rural pagará a conta da instabilidade econômica, e o consumidor sentirá no bolso o resultado: alimentos mais caros e uma inflação que pode fugir do controle.