De 1914 a 2016, o número de cabeças de gado da raça Pantaneiro, também conhecido como Cuiabano, caiu de 3 milhões para aproximadamente 500.
A ameaça de extinção levou instituições especializadas, pesquisadores e criadores do setor pecuário a se uniram com o objetivo de conservar o bovino Pantaneiro. O motivo: em mais de cem anos (de 1914 a 2016), o rebanho desta raça, também conhecida como Cuiabano, caiu de 3 milhões para cerca de 500 cabeças.
Com o intuito de reverter o quadro, o Núcleo de Conservação de Bovinos Pantaneiros de Aquidauana (Nubopan), da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), unidade universitária de Aquidauana (MS), vem realizando pesquisas, desde 2009, com este bovino. Na ocasião, o ponto de partida do projeto foi a aquisição de 15 bezerras recém-desmamadas.
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Atualmente, o rebanho do projeto do Nubopan conta com 150 animais, dos quais alguns estão emprestados para produtores parceiros da universidade. “Em sete anos, as pesquisas evoluíram significativamente. Hoje, conhecemos muito sobre essa raça que estava praticamente extinta e podemos responder com base científica muitos dos questionamentos dos produtores”, afirma o pesquisador Marcus Vinicius Morais de Oliveira, coordenador do Núcleo de Conservação e professor da UEMS.
O Nubopan possui a maior diversificação de animais da raça Pantaneira, haja vista que há cerca de 10 exemplares de cada criador no rebanho do projeto. “Isso garante maior diversidade genética e reduz os efeitos negativos da consanguinidade”, diz.
ORIGEM DO GADO PANTANEIRO
Segundo pesquisador, o bovino Pantaneiro é originário da Europa e possui genes essencialmente taurinos (Bos taurus). É descendente de animais trazidos da Península Ibérica durante o período de colonização da América do Sul.
A espécie é fruto do cruzamento de 11 raças de bovinos europeus, sendo seis portuguesas (Alentejana, Algarvia, Barrosa, Mertolenga, Minhota, Mirandesa) e cinco espanholas (Arouquesa, Berrenda Negra/Vermelha, Negra Andaluza, Retinta, Rubia Gallega). “Essas raças foram identificadas por meio de análise de DNA”, relata Oliveira.
Dados do governo federal informam que, em 1914, o gado criado no Pantanal totalizava 3 milhões de cabeças. Na época, os principais meios de transporte eram o trem e a marcha (comitivas de gado) e a raça foi utilizada em cruzamento, principalmente com o Nelore, para esta finalidade.
“Em ambos os meios, o gado Pantaneiro era preterido, já que os seus chifres prejudicavam a acomodação no trem e suas pernas curtas retardavam as comitivas”, comenta. De acordo com o professor, isso levou ao quase extermínio da raça, restando hoje cerca de 500 animais puros criados em fazendas e núcleos de conservação e mais algumas dezenas em estado selvagem na região do Pantanal de Porto Jofre (MT).
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Coordenador do Nubopan, Marcus Vinicius de Oliveira informa que o gado Pantaneiro é resultado do cruzamento de 11 raças de bovinos europeus, conforme comprovação de análise de DNA. Foto: Divulgação / UEMS
OBJETIVO
O principal objetivo do Nubopan é conservar essa raça genuinamente europeia e totalmente adaptada às condições climáticas do Pantanal (MT e MS). Paralelamente, as pesquisas têm obtido informações técnicas sobre a raça, como ganho de peso, produção de leite, entre outras características.
Também procura localizar o gado Pantaneiro criado nas fazendas como animais cruzados ou sem raça definida. “Após serem identificados, caso o produtor tenha interesse, o gado passa a ser monitorado pela universidade. Há, então, uma troca de animais, especialmente reprodutores, para ‘refrescar’ o material genético”, informa o pesquisador.
Na opinião do professor, as perspectivas em relação à raça são promissoras, graças à característica de adaptação (mais de 400 anos de seleção natural) que garantiu a sobrevivência dos bovinos Pantaneiros. “Temos um gado europeu geneticamente resistente e adaptado às condições ecológicas extremas do Pantanal.”
As pesquisas do Nubopan buscam a formação das linhagens de corte, leite e thrifty (rusticidade) e tem identificado animais com potencial para ganho de peso e outros bons produtores de leite. “A linhagem de rusticidade será comprovada por meio de marcadores moleculares. Os animais portadores desses genes conseguem se manter mais bonitos, gordos e saudáveis nas condições de estresse nutricional (período de inverno)”, salienta o pesquisador.
CARACTERÍSTICAS
Em termos de fenótipo, o gado Pantaneiro é caracterizado como um animal de menor estatura (devido às pernas serem curtas), porém com tronco robusto. A altura média das vacas adultas é cerca de 1,30 m e peso ao redor de 450 kg. Possui cabeça em formato triangular, olhos redondos, orelhas pequenas localizadas acima da linha dos olhos e dorso retilínea. “Ou seja, é um animal tipicamente europeu”, enfatiza o coordenador do projeto.
O bovino Pantaneiro possui chifres em diversos formatos (13 tipos e 7 cores diferentes). A pelagem também é variada (foram identificadas 47 cores diferentes e mais 14 particularidades), porém, há predominância da cor baia e castanha, sendo esta possivelmente uma característica de mimetismo com a paisagem do Pantanal, especialmente na época de inverno, quando a paisagem vegetal se torna mais amarelada devido à seca. “Possivelmente, essa coloração ajuda esconder (camuflar) o animal, dificultando a predação por onças”, pondera o professor.
Segundo ele, a cor da pelagem do animal também varia com a época do ano e com o tipo de forragem do pasto. “Assim, em determinado momento ele pode estar com a cor brazina (com listras negras pelo corpo) e, em outro, voltar com a cor baia (amarelo claro)”, explica.
RESGATE HISTÓRICO
Há grande expectativa com relação ao resgate histórico da raça que alimentou portugueses, espanhóis, paraguaios, brasileiros, inclusive indígenas por centenas de anos na região, fornecendo carne, couro, leite, chifres, ossos, força de tração (carreta paraguaia e carro de bois) e montaria (bois de sela).
“Foram estes animais de origem espanhola (diferente das raças do litoral, de origem portuguesa, como o Curraleiro pé-duro, o Caracu, o Franqueiro, etc.,) que garantiram a segurança alimentar dos conquistadores europeus, as missões jesuíticas e por fim dos indígenas”, afirma o criador de gado Pantaneiro, o advogado Marcus Antônio Ruiz.
Proprietário da Fazenda São Marcus, localizada no Vale do Ariranha, no município de Guia Lopes da Laguna, na região da Serra da Bodoquena (MS), Ruiz é um dos criadores que trabalham em prol da preservação do gado Pantaneiro. Além da atividade principal, a criação de gado Nelore, ele cria gado Pantaneiro e seus mestiços, com finalidade leiteira. Possui um rebanho de 70 cabeças de Pantaneiro entre mestiços e puros. “Para o leite, a mestiçagem é feita com Gir (Pantagir) e Girolando (Pantalando) e, para carne, com o Nelore (Pantalore)”, esclarece.
A produção de leite na Fazenda São Marcus é feita de forma artesanal, com ordenha manual e presença do bezerro ao pé. “Conseguimos uma média de 8 litros por dia por vaca, deixando uma teta para o bezerro”, informa Ruiz.
Os trabalhos desenvolvidos no núcleo para a produção de leite do gado Pantaneiro identificaram novilhas primíparas com produções superiores a 17 litros no pico de lactação. “Essa produção, apesar de significativa, está muito aquém das raças especializadas em leite, mas é muito expressiva para o Pantanal”, enfatiza o coordenador do Nubopan.
Tecnologias reprodutivas, como a transferência de embriões e fertilização in vitro (FIV), utilizadas no Nubopan, têm ajudado na multiplicação desse material genético. “Dessa forma acredita-se que a linhagem leiteira do gado Pantaneiro apresentará uma boa expressividade nos próximos anos”, projeta o pesquisador.
QUEIJO
De cor amarelo forte e rico em gordura, o leite da vaca da raça Pantaneiro é utilizado na região para a fabricação do queijo de saco ou queijo Nicola, de sabor diferenciado, com características próprias de cor, cheiro, textura e sabor, muito apreciado nas fazendas, para consumo in natura, ou na culinária pantaneira e fronteiriça, na fabricação da sopa paraguaia, do caburé (bolinho), da chipa (biscoito) e do beiju.
“O queijo curado mantem-se em condições de consumo por vários meses e, quando fresco, pode ser consumido sem a necessidade de refrigeração, pois só recentemente a energia elétrica chegou às fazendas de fronteira e do pantanal, e muitas ainda não a possui”, observa ruiz.
CARNE
Segundo Ruiz, a carne do gado Pantaneiro se destaca pelo marmoreio (gordura entremeada), o que confere um sabor especial. Nesse sentido, ele ressalta o potencial da raça na produção de carne de boutique. “Em termos de marmoreio e maciez, futuramente, o Pantaneiro poderá vir a ser considerado o Wagyu do pantanal de MT e MS”, prevê.
Em sua opinião, em restaurantes tematizados, a carne do Pantaneiro, como raça local, pode ser utilizada como atrativo turístico com apelo de natureza, nas regiões de Bonito e demais municípios da Serra da Bodoquena e no pantanal mato-grossense-do-sul, por exemplo.
Outra opção é a sua utilização como raça local adaptada para ser criada por comunidades indígenas e quilombolas, além de assentamentos rurais. “A rusticidade e a adaptabilidade tornam a raça indicada para o pequeno produtor rural em assentamentos governamentais.”
Fonte sna.agr.br