A parceria de fazendeiros Amish com gigante da carne mantém mais de 100.000 bezerros e bois machos confinados em grandes instalações, resultando na produção diária de milhares de toneladas de esterco sólido.
Por mais de 60 anos, uma pequena cidade em Ohio, marcada por um único semáforo, simbolizou o ritmo tranquilo da vida Amish. Na região que abrange a divisa entre Ohio, Indiana e Michigan, é comum ver famílias Amish viajando em charretes puxadas por cavalos para trabalhar em fazendas onde ordenham vacas e cultivam milho. Contudo, essa tradição está sendo desafiada por uma parceria industrial que gerou preocupações ambientais e tensões na comunidade.
Tradição Amish versus Modernização
Os Amish historicamente evitam tecnologias modernas, guiados por uma doutrina religiosa que valoriza a simplicidade. Por décadas, suas práticas agrícolas resistiram à industrialização comum nos Estados Unidos. Mas, recentemente, uma aliança com a JBS Foods, maior produtora de carne bovina do mundo, trouxe mudanças significativas.
Nos últimos dois anos, a JBS colaborou com fazendeiros Amish, incluindo a influente família Schmucker, para criar uma operação de confinamento de gado em larga escala. O sistema integra verticalmente mais de 100 mil bezerros machos e bois, criados em grandes galpões de concreto, aço e vinil. Esses galpões produzem diariamente cerca de 3.500 toneladas de esterco, levantando sérias preocupações ambientais.
Impacto Ambiental e Multas
As operações agrícolas receberam atenção das autoridades após reclamações persistentes sobre odores e contaminação da água. Em inspeções realizadas por agências ambientais e agrícolas de Ohio, nove fazendas Amish foram autuadas por gestão inadequada de esterco, com três delas multadas em US$ 20 mil (aproximadamente R$ 116 mil) por falta de licenças operacionais.
As investigações revelaram que pilhas de esterco não contidas e escoamento de dejetos estavam poluindo rios e zonas úmidas, com altos níveis de nitrogênio amoniacal e fósforo detectados nas amostras de água. Esses contaminantes, quando acumulados, podem levar a problemas graves, como florescimento de algas tóxicas, já observado em locais como o Lago Erie.
Divisão na Comunidade Amish
A parceria com a JBS gerou um cisma profundo dentro da comunidade Amish. Enquanto alguns fazendeiros veem a aliança como uma oportunidade econômica, outros condenam a quebra dos valores tradicionais e o impacto ambiental. Muitos residentes locais também se opõem às operações, temendo pela qualidade da água e pela saúde pública.
Segundo relatos de moradores, o cheiro forte e o aumento no tráfego de caminhões carregados de gado e esterco transformaram a paisagem. “Estamos vendo nossas terras e águas sendo poluídas de maneira irreversível”, afirmou um morador local, que lidera um movimento contra as operações industriais.
Operações da JBS em Escala Industrial
A operação alimenta cerca de 3.000 bezerros por semana, até que eles atinjam peso entre 270 e 320 kg. Posteriormente, são enviados ao frigorífico da JBS em Plainwell, Michigan, onde 1.400 cabeças de gado são abatidas diariamente. O modelo de integração vertical não apenas reduz custos logísticos para a JBS, mas também ameaça o mercado de pecuária independente nos Estados Unidos.
Bill Bullard, CEO da associação independente de pecuaristas R-CALF USA, alerta que esse modelo está eliminando pequenos produtores. “Nos últimos cinco anos, perdemos quase 107 mil operações independentes de gado de corte”, afirmou.
Crise Ambiental e Nacionalização do Problema
O problema vai além de Ohio. Operações industriais semelhantes, conhecidas como CAFOs (Concentrated Animal Feeding Operations), são grandes fontes de poluição em várias partes dos EUA. A poluição por nitratos e fósforo dessas operações contribui para a zona morta no Golfo do México e para a deterioração de ecossistemas icônicos, como a Baía de Chesapeake.
Grupos ambientais locais, como o Lake Erie Waterkeeper, estão lutando contra essas práticas. “Estamos investindo bilhões para proteger nossos lagos, mas essas operações estão destruindo tudo”, afirmou Sandy Bihn, diretora executiva do grupo.
Um Modelo a Ser Replicado?
O crescimento da população Amish nos Estados Unidos, agora com cerca de 400 mil pessoas, coloca em perspectiva a possibilidade de replicação desse modelo em outros estados. A JBS já possui plantas de processamento em locais como Wisconsin e Pensilvânia, onde comunidades Amish estão em expansão.
Porém, a resistência ao modelo cresce. Em Steuben County, Indiana, os residentes protestaram contra a construção de um novo galpão de confinamento para 8.000 animais, estimado em US$ 10 milhões (aproximadamente R$ 58 milhões). Apesar da rejeição do pedido de licença, os fazendeiros continuam construindo estruturas menores para contornar as regulamentações.
Desafios Futuros
A parceria JBS-Amish exemplifica os desafios de equilibrar desenvolvimento econômico com sustentabilidade ambiental e preservação cultural. O modelo industrial traz lucros para os fazendeiros, mas à custa de impactos irreversíveis no meio ambiente e na qualidade de vida das comunidades vizinhas.
À medida que autoridades estaduais e federais intensificam as investigações e aplicam penalidades, permanece a questão: o avanço da pecuária industrial deve prevalecer sobre a preservação ambiental e a agricultura sustentável? A resposta definirá o futuro dessa região e de outras comunidades rurais nos Estados Unidos.
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