Artigo por Lauro Veiga Filho
Num cenário mais dramático, temperaturas médias na região poderão subir até 7ºC, bagunçando o regime hidrológico e transformando tudo por ali numa grande savana.
Caso não ocorra nenhuma mudança de curso, no cenário mais pessimista, até o final do século o Pantanal sofrerá mudanças climáticas drásticas, com elevação de até 7°C na temperatura média e alterações provavelmente radicais no regime hidrológico, o que poderá favorecer, numa das hipóteses consideradas pelos pesquisadores, a “invasão” da região pela vegetação típica do Cerrado. “Os modelos adotados indicam um aumento expressivo das temperaturas médias, o que pode bagunçar todo o ciclo hidrológico, diante da expectativa de períodos secos mais prolongados e aumento da evaporação”, afirma o pesquisador Gilvan Sampaio, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/Inpe) do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Sampaio é um dos autores do estudo Climate Change Scenarios in the Pantanal, publicado no livro “Dynamics of the Pantanal Wetland in South America”, trabalho liderado pelo especialista José Antonio Marengo Orsini, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), com a participação ainda de Lincoln Alves, também do CPTEC/Inpe, e apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Os estudos sobre mudanças climáticas no Pantanal, observa Sampaio, levaram em conta modelos climáticos globais incluídos no 5º Relatório de Avaliação (AR5) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). As projeções mais drásticas, que contemplam temperaturas médias numa faixa de variação entre 3,5 a 5°C, podendo atingir até 7°C em 2100, consideram níveis inéditos de concentração de gases do efeito estufa na atmosfera.
Uma área ampla da região, que ocupa 360 mil quilômetros quadrados no total, dos quais praticamente 70% situados em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, permanece alagada durante os meses de novembro a março, formando banhados e lagos rasos, com surgimento de ilhas de vegetação que servem de refúgio e pontos de reprodução para a fauna. Com precipitação variando atualmente entre mil a 1,25 mil milímetros por ano, favorecida pelos “rios de umidade” que vêm da Amazônia, e temperaturas médias de 24°C ao longo do ano, mas que chegam a atingir 41°C entre abril e setembro, quando cessam as chuvas, a planície pantaneira tende a enfrentar períodos de seca mais intensos e prolongados no “inverno” e deficit hídrico, conforme sugerem os modelos climáticos aplicados à região, afirma Sampaio.
Esses mesmos modelos, no entanto, não permitem previsões mais precisas sobre como a mudança na temperatura local afetará o regime de chuvas no verão. As projeções, de acordo com o pesquisador, mostram um incremento na ocorrência de eventos climáticos extremos e uma maior amplitude entre as temperaturas mais baixas e mais elevadas, sugerindo precipitações mais intensas no período. Mas não são conclusivas em relação ao volume das chuvas.
Ainda como hipótese exploratória, Sampaio lembra que o transporte de umidade da região amazônica para o Pantanal cumpre um papel central para o clima pantaneiro. Se o País não conseguir eliminar ou conter o desmatamento na Amazônia, esse fluxo pode ser afetado, o que poderá contribuir para reduzir o volume de chuvas no Pantanal, potencializando o risco de surgimento de áreas mais secas na região. “O desmatamento na Caatinga, por exemplo, tem ampliado os núcleos de desertificação no Nordeste”, lembra. Em outro estudo ainda em desenvolvimento, trabalha-se com a hipótese de que as mudanças no ciclo hidrológico no Pantanal, observadas a partir dos anos 1990, possam estar associadas já a mudanças climáticas, indicando uma tendência de redução das cheias na região.
Soluções contra o aquecimento
A perspectiva de alterações climáticas mais dramáticas começa a ser levada em consideração pelas empresas que atuam no Pantanal sul-mato-grossense. A Fazenda San Francisco, instalada numa área total de aproximadamente 14 mil hectares na região de Miranda, dos quais 7,3 mil dedicados à exploração agropecuária e em torno de 6,7 mil conservados em seu estado natural, incluindo reservas florestais e campos, já explora soluções ambientalmente amigáveis e estuda opções para tornar seu negócio mais sustentável.
Segundo Roberto Folley Coelho, proprietário da empresa, a estratégia da San Francisco está baseada na diversificação de suas operações, envolvendo a criação de gado de genética de maior valor agregado, cavalos da raça crioula, agricultura em sistema de integração com florestas naturais ou cultivadas, o plantio de arroz irrigado e ecoturismo, além da exploração de gado comercial. “A Fazenda San Francisco trabalha forte o conceito de múltiplas atividades, visando aproveitar ao máximo a sinergia entre cada segmento. A maximização do uso da infraestrutura construída, com múltiplos usos da mão de obra das famílias locais e residentes, é um dos aspectos sempre levados em conta nas decisões de planejamento”, reforça o empresário.
No setor pecuário, sempre com espécimes puros de origem, a empresa dedica-se à criação de animais das raças senepol, com 300 cabeças, e nelore, num plantel de 100 unidades, realizando leilões anuais para venda de reprodutores e matrizes. Os cavalos, num total de 50 animais, também são reservados para leilões de raça. Numa área específica, a San Francisco reservou 1,8 mil hectares para pastagens, que recebem 2,4 mil cabeças de novilhas e vacas pantaneiras destinadas à recria e engorda. A cada ano, a fazenda renova em torno de mil hectares de pastos com o plantio, em sistema de rotação, de milho e soja.
Entre as ações de adaptação a um cenário de elevação das temperaturas médias na região, Coelho destaca, na área da pecuária, a formação de um plantel de gado senepol altamente tolerante ao calor. “São animais taurinos, criados originalmente no Senegal e no Caribe, que mantêm as características de alta produtividade em condições tropicais de temperatura e clima”, detalha. Como medida para garantir a produção de leite com animais mais rústicos e adaptados ao calor, “a San Francisco adquiriu matrizes leiteiras bubalinas e hoje as necessidades da fazenda de laticínios são supridas por este rebanho”, acrescenta ele.
Água de chuva e energia do sol
Anualmente, a estrutura montada pela San Francisco na área de ecoturismo recebe entre 7 mil a 10 mil visitantes, além de 2 mil turistas em regime day use. No total, relata Roberto Folley Coelho, são 18 apartamentos, cantina pantaneira com capacidade para 100 almoços por dia no sistema day use, 26 casas para seus 50 trabalhadores residentes, duas piscinas, auditório, oficina e garagens. Diante do elevado consumo de água e energia, a empresa estuda investir num sistema de geração solar, com capacidade para suprir todo o complexo turístico e gerar energia excedente para venda ao sistema integrado. “Esta tecnologia vem evoluindo rapidamente e tendo seu custo de investimento reduzido ano a ano, motivo pelo qual ainda não a implantamos”, complementa ele.
A equipe da San Francisco estuda ainda a viabilidade de um sistema de armazenamento e utilização de água pluvial, com instalação de calhas para coleta das chuvas nas principais edificações na área da fazenda.
Além disso, a fazenda desenvolve um projeto para captação de água no Rio Miranda, “devidamente outorgado e monitorado pelo Instituto de Meio Ambiente Estadual, e em outros três pontos distribuídos pelas áreas de lavoura para recapturar e reciclar a água que já passou pelo cultivo, o que leva a racionabilidade no uso do recurso e redução de gasto com energia”, sustenta Coelho.
Do estômago do boi à biolenha
A Buriti Comércio de Carnes, que atualmente opera uma unidade em Aquidauana (MS), onde abate diariamente 500 cabeças de bois, busca alternativas mais sustentáveis para a geração de energia, afirma Daniel Chramosta, representante legal da empresa e membro da quarta geração da família que opera o negócio. Com origens na Polônia, de onde saiu seu bisavô, durante a Segunda Grande Guerra, e na antiga Tchecoslováquia, terra de nascimento de seu pai, Chramosta trabalha num projeto para produzir energia a partir do conteúdo ruminal dos animais abatidos, hoje destinado à produção de adubo que é distribuído a chacareiros e proprietários rurais locais.
Numa primeira etapa do projeto, ainda em fase experimental, o conteúdo ruminal é extraído a vácuo. Em média, cada animal abatido gera em torno de 20 quilos desse conteúdo e sua extração a vácuo já permitiria reduzir pela metade o consumo de água no abatedouro, que atualmente consume em torno de 600 mil a 800 mil litros por dia, numa média entre mil a 1,5 mil litros por animal abatido, de acordo com Chramosta, “abaixo da média do setor, que gira em torno de 2mil litros por animal”. Na segunda fase, o conteúdo é misturado à borra de sebo e colocado num fulão ou secador, juntamente com palha de arroz fornecida por produtores da região e restos de lenha.
Depois de seca, toda a mistura passa por um equipamento que vai comprimir o material e produzir briquetes de oito centímetros de diâmetro, uma “biolenha” que será queimada em caldeiras, gerando energia a ser aproveitada no processo de produção.
Fonte revistasafra.com.br