O que vendemos, boi ou carcaça?

Vamos falar sobre boi ou carcaça. Sem medo de errar, me atrevo a dizer que um “bom pecuarista” tem obrigação de mensurar e conhecer muito bem os resultados obtidos porteira a dentro.

No entanto, um “pecuarista eficiente”, além de conhecer esses valores, deve saber interpretá-los e utiliza-los da melhor forma possível.

Obter números e indicadores zootécnicos não é uma tarefa simples, e de nada servirá se sua avaliação não for feita de maneira correta. Uma interpretação errada, por exemplo, pode desqualificar a adoção de uma tecnologia que traria ganhos em produtividade para a fazenda.

Para responder à pergunta que compõe o título deste texto e discutirmos como ela pode influenciar seu negócio, utilizaremos uma das principais métricas empregadas no campo: o GMD (ganho médio diário dos animais), para desenvolver nosso raciocínio.

Para começar, precisamos entender que, quando pensamos na avaliação do crescimento do animal, existem duas óticas distintas para sua interpretação.

A primeira e mais simples seria baseada no aumento do peso corporal por unidade de tempo. Nesse caso, o GMD nada mais é do que a diferença de peso obtida entre duas pesagens, dividida pelo número de dias entre elas, como demonstrado abaixo:

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Até aqui, se considerarmos que os animais são comercializados com base no peso vivo – com rendimento combinado ou não –, o uso do GMD como apresentado na fórmula está 100% correto. No entanto, quando pensamos na comercialização direta com o frigorífico, em que a remuneração é feita a partir do peso da carcaça do animal, o GMD como apresentado acima pode trazer falsas interpretações, comprometendo a análise dos resultados obtidos a partir da adoção de determinada prática. Nesse caso, precisamos avaliar o crescimento do animal por outra ótica.

Assim, a segunda forma de avaliar o crescimento requer uma visão mais dinâmica, envolvendo as mudanças na forma e composição corporal do animal. Nesse caso, precisamos pensar nos diferentes tecidos que irão compor o ganho de peso.

Para entender melhor, pense em um animal sendo pesado. O valor obtido no visor da balança – que representa o peso do animal –, na verdade, representa a somatória de todos as partes que compõem o seu corpo (conjunto de todos os tecidos e órgãos), mais a comida que ele consumiu (volumoso, ração, suplemento).

O problema é que quando pesamos o boi, não conseguimos saber o quanto de cada uma dessas partes o animal tem ao certo. Assim, ao calcular o GMD, não é possível saber qual componente contribuiu mais ou menos com o peso ali medido, uma vez que não existe uma proporcionalidade fixa na variação dos componentes com o aumento de peso, o que gera erro na interpretação do GMD quando o foco é a produção de carcaça.

De forma muito simplificada, podemos dividir o “peso da balança” em três grandes grupos: a) carcaça: somatório da carne, gordura e ossos; b) componentes não carcaça: couro, cabeça, chifres, orelhas, patas, vísceras, sangue; e c) conteúdo do trato digestivo (TGI): alimento consumido pelo animal e que está em processo de digestão (Figura 1).

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Figura. Adaptado de Moretti, 2015

O conteúdo do TGI é um dos componentes corporais que, possivelmente, seja uma das maiores fontes de erro na interpretação dos resultados do GMD. O tipo (volumoso ou concentrado) e composição (natureza dos ingredientes, digestibilidade) da dieta consumida pelo animal influenciará a quantidade de conteúdo em seu corpo.

Normalmente, o jejum é uma prática adotada antes da pesagem com intuito de minimizar o efeito da digesta sobre o peso do animal. A ideia é que o tempo em jejum reduza a quantidade de comida presente no TGI do animal e permita uma avaliação mais correta. No entanto, em alguns casos, essa prática não minimiza os erros que podem surgir a partir das alterações do conteúdo do TGI.

O efeito principal sobre a digesta ocorre quando a taxa de passagem, ou seja, o tempo que o alimento permanece dentro do rúmen, é alterada. Esta taxa de passagem está diretamente relacionada a velocidade de digestão da dieta consumida.

Podemos pensar diferentes cenários em que a taxa de passagem seria alterada e o GMD teria uma interpretação errônea. Um caso clássico – para ilustrar este efeito –, é quando pesamos o animal no final da seca e após as primeiras chuvas. Em função dos brotos do capim, que apresentam uma alta digestibilidade, a taxa de passagem e a taxa de desaparecimento da dieta no rúmen aumenta, sendo assim, o animal começa a trocar a forragem que era de baixa digestão e ocupava muito espaço ruminal, por uma de alta digestão (brotos) e que ocupa menos espaço. Essa mudança de conteúdo resulta na diminuição da quantidade de forragem presente no trato digestivo. No campo, normalmente, fala-se que “o animal escorre” e que ele está perdendo peso, quando na verdade o que ele está perdendo é conteúdo do TGI.

Ao suplementar bovinos em pastejo, pode ocorrer efeito similar ao citado. Nesse caso, a redução do conteúdo do TGI, principalmente ruminal, pode ocorrer por dois efeitos distintos.

O primeiro se dá pela alteração na velocidade de fermentação da forragem pelas bactérias ruminais. Ao suplementar o animal com suplemento proteico energético (consumo próximo a 1 kg/dia), além do fornecimento de nitrogênio para as bactérias, estamos fornecendo também energia. Este aumento na disponibilidade de energia permite que as bactérias aumentem a velocidade de degradação da fibra da forragem, refletindo no aumento da taxa de desaparecimento e passagem (Figura 2).

Figura 2. Efeito da suplementação sobre a quantidade de digesta em bovinos (Moretti, 2015).

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O outro efeito ocorre com o aumento da quantidade de suplemento – ou ração – fornecida para os animais. A partir de um dado consumo, começa a ocorrer o efeito substitutivo da dieta, ou seja, o animal em função do consumo de suplemento/ração reduz o consumo de forragem. Sendo assim, como o suplemento apresenta maior digestibilidade do que a forragem, quanto maior seu consumo, maior a velocidade de digestão da dieta e, consequentemente, menor a quantidade de conteúdo do TGI.

Fica evidente que a análise do GMD pode facilmente ser contaminada pela simples mudança de dieta e alteração de conteúdo.

Existem vários fatores, como: nível de suplementação, quantidade de ração da dieta, densidade energética da ração e histórico nutricional, que afetarão não só a quantidade de conteúdo do TGI, mas também a deposição de carcaça ou crescimento das vísceras. Por exemplo, a densidade de energia da dieta afeta diretamente a deposição de gordura, influenciando o peso de carcaça e o histórico nutricional do animal está diretamente relacionado ao crescimento e desenvolvimento dos órgãos, principalmente em animais em crescimento compensatório. Sendo assim, todos esses fatores devem ser considerados quando o objetivo central da atividade for a produção de carcaça e não simplesmente de peso vivo.

Para contornar esses problemas de interpretação, uma variável que pode ser utilizada em conjunto com o GMD é o rendimento do ganho (RG), valor este que qualifica o ganho de peso e permite analisar quanto do GMD está sendo efetivado em carcaça.

O RG é obtido através da divisão do ganho em carcaça, pelo ganho de peso do animal, multiplicado por 100. A conta do ganho em carcaça é feita aplicando-se um rendimento de 50% no peso inicial – para saber o valor da carcaça inicial – e o valor da carcaça final é obtido no romaneio após o abate. Multiplica-se por 100 para ter o valor em porcentagem, ou seja, o valor de RG mostrará quantos % do GMD está sendo depositado em carcaça.

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Assim, a análise cruzada dos valores de GMD e RG permitirá avaliar a qualidade do ganho de peso dos animais, além de auxiliar a amenizar os vieses de interpretação causados pela pesagem.

Frente a todos os aspectos abordados, podemos concluir que o GMD é uma métrica fundamental a ser utilizada na fazenda, porém deve-se ter em mente que alguns fatores poderão influenciar as partes que compõe o ganho do animal (carcaça, componentes não carcaça e conteúdo do TGI) afetando a interpretação dos resultados.

Tome nota!

carcaça é, via de regra, a moeda de troca do produtor com o frigorífico, e o rendimento do ganho é a métrica que permite a visualização da qualidade do ganho dos animais, uma vez que permite avaliar quanto, efetivamente, do ganho de peso está depositado em carcaça.

Deve-se ter muito bem definido os critérios de pesagens na fazenda, buscando sempre a padronização e fugindo de pesagens em momentos em que a mudança de conteúdo do TGI seja muito grande, como em período de transições ou início de suplementação em maiores quantidades.

Cuidado com o rendimento de carcaça praticado no início do confinamento. Por vezes, ele desestimulará investimentos na recria e refletirá na persistência da manutenção do que está sendo feito durante a terminação. Grande parte do animal é construído durante a recria.

Embora, por vezes, a melhora do ganho e/ou de sua qualidade seja mais interessante do ponto de vista produtivo, a análise econômica será determinante para a continuidade da utilização de uma estratégia. Cabe, ainda, dizer que o mercado é dinâmico e pequenas mudanças podem alterar toda a análise econômica, portanto, uma estratégia que seria a melhor opção em determinado momento pode passar a ser a pior em outro.

Fonte: Agroceres Multimix

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