Lei em discussão na Câmara dos Deputados altera sistema de registro, controle e uso de defensivos agrícolas, e inclui a regra de registro temporário de produtos
Nicholas Vital*
No século XVIII, o economista britânico Adam Smith, tido como o mais importante teórico do liberalismo econômico em todos os tempos, apresentou ao mundo a Teoria das Vantagens Absolutas. Segundo ele, os países deveriam se especializar na produção de bens nos quais fossem mais eficientes.
Desta forma, seria possível atingir produtividade maior, gerar mais divisas e beneficiar a sociedade como um todo. No caso do Brasil, portanto, seria muito mais interessante abraçar a agricultura e a pecuária, segmento em que somos referência global, do que se aventurar na indústria petroleira ou em setores ligados à tecnologia, por exemplo.
Não por acaso, é exatamente isso o que acontece por aqui. A agropecuária é o motor da economia brasileira, gera milhões de empregos e responde hoje por quase um terço do PIB do país. Poderia ser ainda melhor, não fosse um fato curioso: o Brasil é o único lugar do mundo onde uma parcela considerável da população é contra a atividade na qual o país é mais eficiente. É a ideologia que joga contra o agronegócio brasileiro e atrasa o desenvolvimento da nação.
Um exemplo disso é a recente onda de protestos contra a chamada Lei dos Agrotóxicos, atualmente em discussão na Câmara dos Deputados. Não é novidade para ninguém que os agroquímicos são produtos malvistos pela população, especialmente nas grandes cidades. O preconceito começa já pelo nome: agrotóxico é uma palavra que só existe no Brasil – no mundo todo são conhecidos como pesticidas. É um termo pejorativo que ajuda a influenciar negativamente a opinião pública.
Mas o que mais chama a atenção é o completo desconhecimento do tema por parte dos manifestantes, que culmina em um discurso totalmente contraditório.
Os mesmos cidadãos indignados que reclamam do fato de o país utilizar defensivos agrícolas já proibidos em outros países, hoje lutam contra a aprovação de uma lei que tem como objetivo principal agilizar o registro de produtos mais modernos. Parecem não entender que, se o Brasil utiliza agroquímicos já em desuso no exterior, isso acontece porque por aqui é preciso entre oito e dez anos para colocar um novo produto no mercado. Em países como os Estados Unidos ou a Austrália, o registro é concedido em menos de três anos.
Lei dos Agrotóxicos
Em trânsito na Comissão Especial da Câmara, a votação do relatório do deputado Luiz Nishimori (PR-PR) para a chamada Lei dos Agrotóxicos foi adiada pela quarta vez nesta quarta-feira (16). A primeira proposta foi apresentada em 2002 pelo então senador Blairo Maggi, atual Ministro da Agricultura. Uma das mudanças na atual legislação é que o ministério tenha maior liberdade na aprovação defensivos agrícolas, levando em conta pareceres de outros órgãos, como Ibama e Ministério da Saúde. Atualmente, esses órgãos têm de aprovar os produtos. Outra mudança é na denominação da palavra “agrotóxico”, que seria substituída por “produtos fitossanitários”. A nova lei também prevê o registro temporário de agroquímicos em casos de emergência.
Outra peculiaridade da atual legislação transformou o pimentão no inimigo número um da alimentação saudável no Brasil. Isso porque, em 2012, um relatório divulgado de forma tendenciosa e irresponsável pela Anvisa afirmava que 92% dos pimentões no Brasil estavam “contaminados” por agroquímicos. O documento só esquecia de explicar que em 89% das amostras a irregularidade se dava pelo uso de defensivos não autorizados para o pimentão, embora aprovados para outras culturas, como o tomate. Uma questão meramente burocrática – e não de saúde pública -, que também poderia ser resolvida pela nova lei.
Mais bizarro, no entanto, é quando as pressões pseudoambientalistas servem, na verdade, para aumentar a necessidade do uso de agroquímicos no Brasil. É o caso do registro temporário de defensivos, um dispositivo utilizado exclusivamente em situações em que haja uma emergência fitossanitária no país, também criticado pelos manifestantes. A nova lei prevê, em casos excepcionais, como a identificação de uma praga exótica, a liberação momentânea de produtos já autorizados em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A medida tem uma justificativa óbvia: como sabemos, as pragas não estão preocupadas com a burocracia. Muito pelo contrário. Elas se aproveitam dela para se multiplicar e avançar com velocidade sobre as lavouras. Em situações como esta, não é possível aguardar vários anos por uma solução.
Para os detratores é difícil entender que a proibição do registro temporário só ajuda a agravar o problema e aumentar ainda mais dependência em relação aos pesticidas. O caso da lagarta Helicoverpa armigera é emblemático. A praga foi identificada pela primeira vez no Brasil em 2013, em plantações de soja na Bahia. Polífaga, a lagarta se espalhou rapidamente pelo estado, causando prejuízos bilionários aos agricultores. Poucas semanas depois, já era encontrada também em outros estados, como Goiás e Mato Grosso. Atualmente, é um problema sério de Norte a Sul do país. A história, porém, poderia ter sido bem diferente.
Na Austrália, onde foi identificada décadas atrás, a Helicoverpa foi totalmente controlada graças a um pesticida eficaz, que na época chegou a ser importado de forma emergencial para o Brasil, mas não pôde ser utilizado devido à pressão de ambientalistas e, pasmem, autoridades como o Ministério Público, sob o argumento de que o pesticida seria muito tóxico. Será que os critérios adotados na Austrália são menos rígidos do que os nossos? Ou será que lá a segurança alimentar está acima da ideologia de uma minoria barulhenta?
Após longa batalha, o produto foi finalmente aprovado no ano passado, quando a praga já estava espalhada por todo o território brasileiro. Moral da história: os ambientalistas conseguiram evitar o uso pontual de um produto fitossanitário na Bahia, mas transformaram a Helicoverpa em um problema nacional. Graças aos manifestantes, os agroquímicos são hoje ainda mais necessários – e ainda serão por muito tempo, já que a erradicação se tornou uma meta quase impossível.
Os exemplos acima só comprovam a teoria de que os ativistas gostam de protestar, mas nem sabem exatamente por quê. Eles não vão mudar. Mas cabe às autoridades deixar o populismo de lado e discutir esse tema tão importante para o futuro com base na ciência – e não na ideologia. A atual lei dos agrotóxicos de 1989 já está ultrapassada. O que está em jogo, agora, é a necessidade de milhões de produtores rurais em todo o Brasil. Gente que acorda cedo para produzir alimentos e colocar comida nas mesas dos brasileiros – inclusive dos manifestantes. A manutenção da lei como está só interessa a um grupo: o daqueles que, contrariando a Teoria das Vantagens Absolutas, lutam contra o agronegócio nacional.
*Nicholas Vital é jornalista e autor do livro Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo (Editora Record, 2017)