Veneno levado pela chuva até os córregos e ribeirões contamina água, afeta saúde de peixes e de animais que a consomem. Barreiras e sistemas de plantio podem evitar problema.
Se o agricultor não cuida bem da sua terra, em períodos de chuva, pode empurrar para dentro dos rios solo e resíduos que afetam a qualidade da água, inclusive os agrotóxicos.
Se não for contida de forma mecânica, a água que escoa ganha velocidade e volume, fazendo com que o solo se desprenda e seja carregado até chegar aos rios, explica o agrônomo Henrique Debiasi, doutor em física de solo em pesquisador da Embrapa Soja, em Londrina, no Paraná.
“Essa água carrega, além do solo, moléculas de agrotóxicos e também de fertilizantes, que uma vez escoando na superfície vão em pouco tempo parar no riacho”, diz.
Saúde dos peixes afetada
Biólogos da Universidade Estadual de Londrina passaram 2017 estudando um dos rios da região, o Ribeirão Cafezal. Eles analisaram a presença de resíduos de venenos na água e descobriram que a saúde do peixes foi afetada.
Dos 33 agrotóxicos usados atualmente que foram analisados, 7 foram encontrados no ribeirão.
Também foram encontrados vários organoclorados, agrotóxicos que não se usa mais, entre eles o endosulfan, que teve a venda proibida no Brasil em 2013, e o DDT, inseticida proibido desde 1985.
Os resíduos estavam abaixo dos limites de segurança estabelecidos pela lei, mas mesmo assim, afetaram a saúde dos peixes.
“Esses resíduos de endosulfan foram os que mais preocuparam. Porque verificamos um aumento do endosulfan no fígado dos peixes”, explica Cláudia Martinez, doutora em fisiologia de animais aquáticos.
Em outra linha de pesquisa, dentro do laboratório, peixes e pequenos moluscos foram mantidos em água com uma mistura de dois herbicidas de uso atual.
“Quando esses animais foram expostos aos dois herbicidas juntos, começamos a observar um aumento significativo de danos no DNA. Ou seja, a gente tem o efeito da mistura de dois herbicidas, diz Cláudia.
“Mas o que a gente viu no ambiente, pelo menos nesse último trabalho, foram ao menos 7 na água”, completa.
Teste com glifosato
Na Universidade Estadual do Oeste do Paraná, em Cascavel, outra pesquisa investiga o efeito dos agrotóxicos na vida de cobaias de laboratório.
Durante a prenhez e lactação, as fêmeas receberam água com o herbicida glifosato, também abaixo dos limites permitidos por lei. Depois, os pesquisadores avaliaram a saúde dos filhos dessas cobaias, na idade adulta e os resultados foram assustadores.
“A primeira coisa que a gente observou foi um aumento da intolerância à glicose e de uma baixa sensibilidade à insulina. Isso pode predispor o animal ao diabetes. Outra coisa que a gente verificou é que o fígado deles já apresenta focos inflamatórios”, explica a bióloga e professora Maria Lúcia Bonflair.
No sistema reprodutor é que a gente mais observou alterações. A gente viu uma diminuição na quantidade de espermatozoides”, diz a especialista.
Procurada, a Bayer, fabricante do glifosato, questionou o rigor científico da pesquisa. Em nota, a empresa alegou que foi utilizado um número reduzido de cobaias e que o tempo de exposição ao produto não corresponde ao que acontece no campo.
Citou, ainda, o relatório divulgado recentemente pela Anvisa, afirmando que o produto não afeta o sistema endócrino.
Cynthia Malaghini, gerente de avaliação de conformidade da Companhia de Abastecimento de Água e Saneamento do Paraná (Sanepar), explica que, duas vezes por ano, é obrigatório monitorar a presença de contaminantes agrícolas na água fornecida à população.
“Nós testamos os princípios ativos que estão na portaria de consolidação 5 do Ministério da Saúde. Atualmente, são 38. Mas no estado todo se usa mais de 500, que não são avaliados”, diz.
Como evitar
Para os pesquisadores, a única forma de evitar problemas é tentar impedir que os venenos agrícolas cheguem até os rios, que, muitas vezes, fornecem água para a população. E tecnologia para isso não falta.
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São os chamados sistemas de conservação de solo. A ideia é construir barreiras, como terraços e curvas de nível, para reduzir a velocidade da água da chuva, fazendo com ela fique represada entre as barreiras e se infiltre lentamente na terra.
“Essa água vai chegar até o rio, mas não pela superfície, vai chegar pelo solo. Então, vai passar por todo um processo de filtragem. E na hora que ela chegar lá no rio, vai estar mais limpa do que a própria água do rio”, diz Henrique, da Embrapa.
Um bom sistema de plantio direto também ajuda muito. Funciona assim: quando se colhe uma lavoura, a palha e as raízes permanecem no solo. Por cima desse material, revolvendo a terra o mínimo possível, se planta a próxima cultura.
O ideal é que a área nunca fique descoberta, mesmo na entressafra, quando os técnicos recomendam a implantação de adubos verdes ou braquiária.
“(A braquiária) vai reduzir a infestação de plantas daninhas de difícil controle, por exemplo a buva e o amargoso. E dados da Emater mostram que é possível economizar em torno de R$ 150 por hectare por ano com herbicidas no controle dessas duas plantas utilizando a braquiária. Isso é retorno econômico para o produtor, mas principalmente redução no impacto ambiental associado ao uso do agrotóxico”, destaca Henrique Debiasi, da Embrapa Soja.
Fonte: Globo Rural