Utilizando apenas estratégias de manejo, o chamado de Lone Tick, obteve resultados iniciais de 82% de redução da população de carrapatos nos rebanhos.
Um estudo da Embrapa realizou controle de carrapatos em bovinos sem o uso de produtos químicos, utilizando apenas estratégias de manejo, com os animais em pastejo em diferentes regiões. Chamado de Lone Tick, o sistema obteve resultados iniciais de 82% de redução da população de parasitas nos rebanhos. O trabalho está sendo desenvolvido nos biomas Cerrado e Pampa.
O trabalho de pesquisa no Cerrado avaliou durante um ano o controle da infestação de carrapato Rhipicephalus microplus (carrapato-do-boi)em bovinos da raça Senepol, no sistema de pastejo rotacionado, obtendo uma média de dez carrapatos por animal, sem uso de acaricidas.
“Quando há cerca de 40 carrapatos no animal, significa que teremos problemas econômicos no rebanho”, informa o pesquisador da Embrapa Gado de Corte Renato Andreotti, responsável pela atividade de controle do carrapato-do-boi sem o uso de acaricidas.
“Na raça Senepol, sensível ao carrapato, o projeto obteve sucesso. A meta agora é conseguir resultados semelhantes na raça Angus – animais produtivos e mais sensíveis ao carrapato – e presentes em diferentes regiões do País”, observa. O estudo será realizado por, pelo menos, dois anos.
A presença do carrapato nos animais faz com que seus agentes causem o aparecimento da doença conhecida como tristeza parasitária bovina (TPB) causada pelos agentes: Babesia bovis, Babesia bigemina e Anaplasma marginale, o que pode levar os animais à morte.
Um agravante do problema vem do melhoramento genético. Os produtores de gado de corte utilizam cruzamentos com raças mais produtivas para aumentar a produtividade do seu sistema por meio da precocidade, qualidade da carne, entre outros fatores, mas essas raças são mais sensíveis ao carrapato.
Com o gado de leite o problema se repete. Animais mais produtivos costumam também ser mais sensíveis ao carrapato, e isso provoca uma perda anual de leite de 95 kg por animal, principalmente com a raça holandesa e em sistema de produção familiar, acarretando diminuição nos lucros.
O pesquisador explica que os animais de raças europeias e seus cruzamentos são totalmente dependentes de controle do carrapato para poder expressar seu potencial genético produtivo, caso contrário, corre o risco de, além de não produzir, perder o investimento realizado no rebanho devido à mortalidade causada pela TPB.
“No sistema Lone Tick, além do controle não usar acaricida, ele aceita a mesma carga animal do sistema de produção tradicional”, comenta.
Controle estratégico do carrapato-do-boi
A cadeia produtiva de bovinos usa variadas formas para controle do carrapato, como o sistema tradicional, no qual o produtor define o produto acaricida que vai usar no balcão da loja de produtos veterinários, até sistemas sofisticados com o uso integrado de práticas de controle – chamado controle estratégico do carrapato – buscando impactos mínimos.
O controle do carrapato com uso de acaricidas é a mais usual. Mas, tem causado vários problemas para produção dos rebanhos. Por isso, o produtor precisa:
1) Conhecer a biologia do parasita para melhor controle; isso fará retardar o avanço da seleção de parasitas resistentes, maior eficiência, menor custo e menor impacto no ambiente pela redução da quantidade de acaricidas;
2) Conhecer as diferenças de temperatura e umidade nos diversos ambientes, ao longo do ano, pois há influência na produção de gerações do parasita e sua população;
3) Quando utilizados os acaricidas sobre os animais, é preciso aplicá-los da forma recomendada, o que não vem sendo obedecido com frequência, pois tem se observado consequências como a contaminação do ambiente, intoxicação das pessoas que aplicam o acaricida e dos produtos de origem animal.
Segundo Andreotti, o uso intensivo de produtos químicos por dois anos consecutivos num rebanho, pode gerar o desenvolvimento de resistência. “O carrapato precisa ser monitorado anualmente, e temos soluções tecnológicas mais eficientes, inclusive, oferecemos análises por meio do Museu do Carrapato, site que traz um banco de informações sobre os parasitas, onde são estudadas todas as espécies que chegam para análises, através de fotografias e posterior catalogação”, conta o cientista.
O controle Lone Tick
Lone tick, traduzido da língua inglesa por carrapato solitário, é um sistema de controle sanitário sem uso de acaricidas, ou seja, sem a realização de controle químico. “Nossa intenção é apresentar uma solução global, pois o carrapato é um problema mundial”, destaca. Ele cita a infestação de carrapatos na pecuária da Austrália, um grande mercado de produção de bovinos, passando pela África, América do Sul e América do Norte (México e Estados Unidos).
No Lone Tick, muda-se o boi de pasto, separando o animal do carrapato, e alternando consecutivamente o local de pastagem do rebanho. O pesquisador conta que o tempo de uma rodada de quatro pastagens até ao retorno à área inicial é de 112 dias.
Esse manejo promove um vazio forrageiro/sanitário de 84 dias, no local da pastagem inicial, período em que as larvas do carrapato ficam solitárias e morrem por falta de animais no local para se hospedar e se alimentar. “Ou seja, matamos o carrapato, sem utilizar produtos químicos”, resume.
O trabalho de pesquisa compreende cinco etapas:
- contagem de parasitas por animal;
- coleta de carrapatos para verificação da resistência dos carrapatos aos acaricidas;
- coleta de sangue dos animais para avaliação da presença dos agentes da TPB e para avaliação do estado de saúde geral do rebanho;
- pesagem dos animais;
- rotação do lote de animais entre os piquetes de pastagens.
A cada intervalo de troca de área é praticado o mesmo protocolo com os animais, repetindo as etapas.
O sistema foi estudado primeiro de forma experimental na cidade de Campo Grande (MS), região do Cerrado onde durante um ano, um grupo de 37 animais desmamados machos da raça Senepol, com infestação natural de carrapatos, foram divididos em dois grupos, de 21 e 16 animais respectivamente, sendo feita a rotação de pastagem com intervalo de 28 dias e sem a utilização de acaricidas. A área, de 32 hectares, foi dividida em quatro piquetes de oito hectares, com pastagem de Brachiaria brizanta, vr. Marandu.
O primeiro lote de animais foi introduzido na pastagem no início do experimento e os animais do segundo lote, após seis meses. Em cada intervalo foi contabilizada a quantidade de carrapatos nos animais. A média inicial de 26,2 carrapatos no primeiro mês caiu para 1,5 carrapato aos 56 dias. O resultado se repetiu e manteve um baixo número de carrapatos nos animais sem uso de acaricidas até o fim do experimento.
O cientista conta que a manutenção de uma baixa contagem de carrapatos nos animais é desejável para a manutenção da estabilidade enzoótica dos agentes infecciosos responsáveis pela TPB, ou seja, isto significa que os animais estão protegidos naturalmente contra a doença em função de estarem em contato permanente com baixas quantidades de carrapatos.
“Com base nos resultados demonstrados, concluímos que a rotação com 84 dias de vedação dos piquetes foi efetiva no controle do carrapato sem a utilização de carrapaticidas, sendo possível, nas condições do bioma Cerrado, criar raças mais produtivas e com custo menor no controle do parasita agregando valor na cadeia produtiva”, salientou Andreotti.
Além disso, o rebanho experimental obteve um ganho de peso médio diário de 0,425 gramas durante a pesquisa. Na contagem de carrapatos, o primeiro lote de animais alcançou uma média de 6,2 carrapatos por animal e o segundo lote, 10,36 indivíduos, sem a utilização de acaricidas durante o experimento.
Sistema apresenta controle ecologicamente correto
Andreotti comenta que um dos gargalos para o sucesso do controle estratégico do carrapato com o uso de acaricidas é o surgimento de carrapatos resistentes, resultado da pressão de seleção causada nas populações desses parasitos exercida pelo tratamento.
O sistema Lone Tick corrigiu a carga parasitária para condições adequadas de controle. “Permitiu eliminar a pressão de seleção aos acaricidas funcionando como área de refúgio, ou seja, ele elimina o aparecimento de mutações relacionadas com a resistência na população de carrapatos. O sistema trabalha com baixa infestação de carrapatos com redução de impacto da sua ação e manutenção da estabilidade enzoótica para a TPB. Inclusive, durante um ano de observação e monitoramento dos animais, nenhum deles apresentou sintomas para a doença”, revela.
O sucesso do sistema Lone Tick, de acordo com o pesquisador, é porque o carrapato-do-boi completa o ciclo de vida no hospedeiro em 21 dias, com o ingurgitamento da fêmea e sua queda ao solo e consequente postura de três mil ovos, em média, iniciando a fase não parasitária.
“As larvas emergem dos ovos e constituem 95% da população de carrapatos no ambiente, sendo fonte de reinfestação dos animais, não sendo alcançadas diretamente pelos carrapaticidas. A grande maioria das larvas do carrapato-do-boi não sobrevive no ambiente por mais de 82,6 dias”, explica Andreotti a razão do período de vazio sanitário de 84 dias.
“O sistema Lone Tick oferece uma forma de controle nesta fase de vida livre do carrapato, com base na rotação de pastagens, permitindo um tempo de 84 dias das larvas sem contato com o hospedeiro, tempo suficiente para a morte das larvas por inanição”, fala.
Os resultados da pesquisa mostram que, com base no conhecimento da ecologia e biologia do parasita, é possível controlar de forma ecologicamente correta as populações dessa espécie de carrapato, atendendo assim, uma demanda de mercado internacional: a diminuição do uso de produtos químicos e seus efeitos colaterais.
A experiência no Sul do Brasil
O projeto está sendo desenvolvido também na região de Pelotas (RS), na Embrapa Clima Temperado. “Escolhemos o Rio Grande do Sul por dois fatores: a forte vocação para pecuária de corte e de leite e a possibilidade de avaliar o estudo em condições climáticas bem distintas da região do Cerrados”, justifica Andreotti.
As informações são da Embrapa Clima Temperado