Novas regras ampliam período máximo de gestação permitido para abate de fêmeas grávidas e preveem protocolo para o descarte dos bezerros; Confira abaixo!
Uma portaria publicada pelo Ministério da Agricultura na última sexta-feira (23/7) atualizando as normas técnicas federais de manejo pré-abate e de abate humanitário pegou de surpresa fiscais agropecuários e órgãos de proteção animal ao incluir, entre os protocolos de bem-estar animal, parâmetros para o abate de animais prenhes.
Embora já fosse autorizado o abate das vacas em qualquer tempo de gestação, a prática foi regulamentada pelo novo protocolo de bem estar animal para fêmeas que estejam com até 90% da gestação completa – o que no caso de vacas, equivaleria ao oitavo dos nove meses de gestação.
“O que a gente esperava de uma portaria de abate humanitário é que fosse proibido o abate de vacas na fase final de gestação. Mas. para a nossa surpresa, a portaria regulamentou o abate de vacas em fase final de gestação”, comenta a fiscal estadual agropecuária do Rio Grande do Sul, Raquel Cannavô.
Com seis anos de atuação na fiscalização de frigoríficos, ela lembra que até 2017 a legislação vedava a destinação de carcaças de fêmeas abatidas prenhes para o consumo in natura, o que desestimulava a prática.
Desde 2017, o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA) permite, então, o abate de vacas prenhas. A mudança, segundo Cannavô, gerou um aumento no envio de vacas prenhas para abate no Rio Grande do Sul, que praticamente triplicou.
“Na prática, tornou-se comum, ocorre quase todo o mês, de uma vaca parir no curral do frigorífico, momentos antes do abate”, relata a fiscal estadual agropecuária ao lembrar que, durante o transporte do animal prenhe, também ocorre sofrimento.
“Na verdade, essas vacas não deveriam nem ser transportadas porque isso, por si só, já é um desrespeito ao bem-estar animal. Inclusive, as recomendações da OIE são de que essas vacas em fase final de gestação só sejam transportadas em caso de atendimento veterinário”, explica Cannavô.
Procurado, o Ministério da Agricultura afirmou que “a OIE não prevê a proibição do trânsito ou do abate desses animais, mas estabelece condições específicas para evitar a dor ou sofrimento tanto das fêmeas gestantes quanto dos fetos, que foram internalizadas pelo MAPA [Ministério da Agricultura]” com a nova portaria.
Ainda de acordo com o Ministério da Agricultura, até então “não havia qualquer ato normativo que estabelecesse procedimentos de controle para evitar o sofrimento dos fetos de fêmeas gestantes abatidas” o que impedia o serviço oficial de inspeção de atuar em situações que, tecnicamente, caracterizassem o sofrimento desses animais.
“Com a nova legislação, passam a ter regras para resguardar os aspectos de bem-estar destes animais”, afirma a pasta, em nota, na qual lembra que “o abate das fêmeas gestantes e a manipulação dos fetos para obtenção de produtos não são atividades proibidas”.
Surpresa
Publicada em edição extra do Diário Oficial, a atualização das normas de abate humanitário surpreendeu o coordenador de Agropecuária Sustentável da World Animal Protection, Daniel Cruz.
Segundo ele, que há dez anos participa de grupos de estudos junto com o setor privado e com o Ministério da Agricultura para discutir as normas de bem-estar na fase final de vida dos animais de produção, o governo chegou a fazer uma consulta pública sobre o tema, mas as discussões estavam paradas.
“Ninguém ficou sabendo muito o que aconteceu porque a gente não estava esperando mesmo o lançamento dessa nova normativa”, comenta Cruz ao destacar que a portaria também trouxe avanços positivos relacionados ao detalhamento sobre o processo de insensibilização prévia dos animais antes do abate e a inclusão de regras de transporte nas práticas de manejo pré-abate.
“Ela veio, é um grande passo, a gente tem que celebrar, é muito importante, só que infelizmente ainda não veio do jeito que a gente queria”, completa o coordenador de Agropecuária Sustentável da World Animal Protection.
Em relação aos protocolos para o abate de fêmeas prenhas, Cruz acredita que o Ministério da Agricultura tenha sofrido algum tipo de pressão para incluí-lo na portaria, já que foi o ponto que gerou maior insatisfação entre os setores envolvidos no assunto.
“Com certeza, ela sofreu pressão de algum setor ou de alguém para que isso fosse aprovado. Porque, hoje, isso é unânime quando você vai conversar com o pessoal de bem-estar. Até os próprios veterinários que trabalham em frigoríficos estão super contrariados porque quem é que gostaria de abater um animal prenhe? Existe também uma questão ética”, completa Cruz.
A cena realmente não é das melhores, segundo descreve a fiscal estadual agropecuária, Raquel Cannavô. “A mãe é insensibilizada, mas o feto não é insensibilizado – o que já contraria as regaras e abate humanitário. E esse feto fica se debatendo dentro do útero durante toda a etapa de sangria da vaca, que dura três minutos”, conta.
E complementa: “Quando termina a sangria, esse feto é retirado de dentro da barriga da mãe ainda dentro do útero inteiro, onde ele continua vivo por mais alguns minutos até morrer de asfixia, de forma agônica”, relata a veterinária ao destacar que a situação também gera mal estar para os próprios trabalhadores do frigorífico.
Prática antieconômica
Mas, afinal, por que um pecuarista enviaria uma vaca prenhe, prestes a dar a luz, para ser abatida num frigorífico quando o bezerro está sendo vendido a preço recorde? Segundo Cannavô, existe um mito de que, uma vez emprenhada, a vaca apresenta um maior ganho de peso e, em alguns casos, a deficiência de manejo dentro da fazenda faz com que o animal seja enviado no lote por engano.
“Muitos não sabem que essas vacas estão prenhas, outros por questões econômicas precisam do dinheiro do gado e mandam o quanto antes. E ainda tem aqueles que acreditam que há um maior rendimento de carcaça com uma vaca gestante”, relata a fiscal agropecuária. O mesmo relato já foi ouvido por Cruz, da World Animal Protection.
“Muitos produtores cobrem essa vaca que vai ser mandada para abate porque acham que quando ela entra no cio ela perde capacidade de ganhar peso. Isso já foi desmascarado, só que a gente ainda tem muitos produtores com essa cultura na cabeça”, pontua Cruz.
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Segundo Cannavô, o rendimento de carcaça de uma vaca gestante é, inclusive, inferior ao de uma vaca que não está prenhe. “O que você tem de peso ali é o peso do útero, peso de líquido. E na fase final de gestação, os nutrientes em si vão para o feto em grande parte, e não para a carcaça”, pontua a veterinária o ressaltar que a prática é antieconômica.
“Isso tudo pode ser facilmente evitado, toda essa questão de bem-estar animal e de prejuízo econômico, com o diagnóstico de gestação antes de enviar esses animais para o abate. Uma apalpação que qualquer peão treinado pode fazer consegue detectar que a vaca está na fase final de gestação”, completa a veterinária.
Fonte: Globo Rural