Os irmãos Batista são donos de uma fortuna de quase US$ 6 bilhões e detêm participações em empresas que somam cerca de US$ 28 bilhões em ativos!
Há pouco menos de quatro anos, os irmãos Joesley e Wesley Batista estavam em celas de prisão com beliches de concreto, seu império multibilionário de carne sob risco em um dos maiores escândalos de corrupção corporativa do mundo.
Hoje, eles estão livres e a JBS está de volta ao jogo global de aquisições. A empresa, que vale três vezes o que chegou a valer em 2017, está comprando ativos mundo afora e expandindo uma operação que já inclui mais de 20 países e um quarto do processamento de carne bovina dos EUA.
Juntos, os irmãos Batista são donos de uma fortuna de US$ 5,8 bilhões e detêm participações em empresas que somam US$ 28 bilhões em ativos, mais do que os barões da carne rivais.
A renascença dos Batista coincide em parte com os efeitos da pandemia sobre os mercados de carne — oferta escassa, demanda crescente — que enriqueceu quem apostou no setor no período. Mas é mais que isso. É também um testamento da eficiência implacável da família em usar cada centímetro de uma carcaça animal combinada a uma estratégia mais ampla de aquisições, que envolve desde marcas de alimentos ao redor do mundo a até carne vegetal, enquanto mira uma possível listagem nos EUA.
“É uma combinação de uma execução muita boa com boas aquisições que permitiram diversificar os negócios e gerar bons retornos”, diz Leandro Fontanesi, responsável pela cobertura de alimentos e agronegócio no Bradesco.
É também uma combinação de escolhas a sangue frio e de reinvenções.
“A JBS e a Tyson estão se reinventando como empresas de proteína, em vez de apenas empresas de carne”, disse Jennifer Bartashus, analista sênior de alimentos e produtos básicos de varejo da Bloomberg Intelligence. “Eles estão se envolvendo cada vez mais em alternativas baseadas em plantas”.
Para a JBS, isso significou voltar ao modo de aquisições em série, que marcou a escalada meteórica da companhia nos anos 2000, mas dessa vez focando em alvos menores e sem o apoio do governo brasileiro. Entre as compras recentes, estão uma marca de alimentos inglesa e uma empresa alemã de substitutos de carne à base de vegetais — a JBS também estaria interessada em uma fabricante de salsichas no país.
Um dos objetivos, como muitos executivos da JBS afirmaram ao longo dos anos, é abrir o capital da gigante da carne nos EUA. Sua rival Tyson Foods, listada em Nova York, vale quase o dobro, embora a JBS a supere em quase todas as outras métricas.
Para isso, porém, vai precisar convencer investidores que deixou escândalos para trás.
Em 2017, quando empresários e políticos brasileiros estavam indo para a cadeia em meio a investigações de corrupção, Joesley e Wesley abalaram o Brasil ao fazer um acordo de delação premiada.
Eles descreveram aos promotores uma rede de subornos com objetivo de supostamente facilitar o acesso a bancos públicos e a fundos de pensão. A turbulência que se seguiu quase derrubou um presidente.
Os irmãos, que não deram entrevista, deixaram as operações do dia-a-dia, enquanto a holding da família, J&F, concordou em pagar R$ 10,3 bilhões às autoridades brasileiras em 25 anos, seguido por um acordo semelhante com o Departamento de Justiça dos EUA no ano passado no valor de US$ 256 milhões. Para apaziguar os bancos credores, eles venderam R$ 12 bilhões em ativos, em uma reestruturação de dívida complexa que poderia ter destruído a empresa.
Desde então, os Batista adicionaram vários cargos de compliance e controle sênior à JBS, disse Flávia Bedran, analista de crédito da S&P Ratings. Mas há uma mudança importante que eles ainda precisam resolver: o conselho é composto principalmente por membros da família e executivos com vínculos com a JBS, diz ela, que também afirma que a S&P precisa de um histórico maior de governança para avaliar o efeito das mudanças na companhia.
Wesley e Joesley nunca retomaram as rédeas do negócio. Mas outros membros da família têm conquistado espaço. O principal deles é Wesley Batista Filho, 30, que agora comanda unidades-chave da JBS, incluindo a Seara. Seguindo a tradição familiar, ele começou trabalhando no abate de animais, aprendendo a identificar cada parte da carcaça de um boi quando trabalhava em Greeley, no Colorado.
Claro, a JBS não é o único frigorífico indo bem. A rival brasileira Marfrig Global Foods também teve desempenho superior à média. Também não são os únicos envolvidos em escândalo: o controlador da Marfrig, Marcos Molina, pagou indenização em caso envolvendo propina a banco público em 2018.
Outras ações recentes envolvem aumentar esforços para endereçar décadas de críticas de ativistas ambientais. A empresa prometeu investir US$ 1 bilhão em dez anos para reduzir as emissões de carbono e implementar outras iniciativas, ao mesmo tempo que se comprometeu a rastrear de forma mais eficaz a origem do gado que compra.
“Eles estão dando os passos certos para melhorar a percepção dos investidores e acho que a listagem nos EUA também vai ajudar”, disse Fontanesi, do Bradesco. “Será visto como mais um passo positivo em direção a ser mais transparente e melhorar a governança.”
Os Batista, porém, acabaram de sentir as agruras de uma possível listagem fora do Brasil — em um setor totalmente distinto do seu negócio principal.
Neste ano, os Batista tentaram tornar pública nos Estados Unidos uma aposta que a família havia feito em fintech desde 2015, que acabou se tornando uma das principais companhias do seu império fora da JBS.
A transação, na qual eles buscavam uma avaliação de US$ 8 bilhões para a PicPay, foi cancelada por enquanto, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto. Os investidores exigiram um desconto maior do que a família estava disposta a ceder, disseram pessoas próximas à negociação, pedindo para não serem identificados porque as negociações não são públicas.
Depois de adiar o IPO, a família pretende investir R$ 3 bilhões do próprio bolso na PicPay até 2023, com planos de então retomar o IPO, disse uma das pessoas. Um representante do PicPay, que é comandada por outro membro da família Batista, José Antonio Batista, confirmou que a transação foi adiada sem acrescentar mais detalhes.
Outro baque recente: No mês passado a JBS foi alvo de um ciberataque em grande escala. A empresa pagou um resgate de US$ 11 milhões em bitcoin, pondo fim ao fechamento de fábricas de carne na América do Norte e Austrália, ainda que sob críticas do governo americano.
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Por trás da capacidade de sobrevivência da JBS, o patriarca é uma figura chave. José Batista Sobrinho, 87 anos, fundou a empresa que leva suas iniciais em 1953 e a levou para o que viria a ser Brasília em 1957, vendendo carne aos operários da construção da nova capital nacional. Na crise de 2017, ele reassumiu o comando da empresa, conversando diretamente com fornecedores e mantendo a família unida na turbulência.
“A JBS é um excelente exemplo do jeito brasileiro de fazer negócios”, disse Luis André Azevedo, professor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas. “Há definitivamente habilidade na gestão da JBS, mas não há como separar o fato de que ela, assim como diversas outras empresas no Brasil, passou anos se beneficiando de dinheiro do governo para se expandir.”
Fonte: Bloomberg.