
Acordos comerciais, tarifas impostas aos Estados Unidos e estratégia de autossuficiência da China abrem uma janela de oportunidade histórica para o leite brasileiro.
O Brasil está prestes a ocupar um espaço estratégico no mercado global de lácteos, e a principal responsável por isso pode ser a China, o maior importador de lácteos do mundo. Apesar dos esforços chineses para aumentar sua autossuficiência na produção de leite, mudanças nas relações comerciais e ajustes na demanda local estão criando um cenário favorável para que o Brasil se torne, nos próximos anos, um dos principais – ou até o maior – fornecedor de leite e derivados para o mercado chinês.
Desde 2018, o governo chinês vem trabalhando para fortalecer sua produção interna de lácteos como parte de sua política de segurança alimentar. A meta estabelecida era ambiciosa: aumentar a produção de leite em 10 milhões de toneladas métricas até 2025. Essa meta foi atingida dois anos antes do previsto, em 2023, o que elevou a autossuficiência chinesa de 70% para 85%, segundo estimativa do Rabobank.
Esse avanço reduziu consideravelmente a necessidade de importações, impactando diretamente o comércio global de lácteos e afetando grandes exportadores como Nova Zelândia, Austrália, União Europeia e Estados Unidos.
A autossuficiência chinesa pressionou as importações, sobretudo nas seguintes categorias:
- Leite em pó integral: As importações chinesas dessa commodity caíram drasticamente. Enquanto entre 2010 e 2022 as compras externas saltaram de 325 mil toneladas para quase 845 mil toneladas, em 2023 o volume recuou para apenas 430 mil toneladas. A previsão para 2024 é de uma leve recuperação, para 460 mil toneladas, com tendência de estabilização em torno de 500 mil toneladas até 2025.
- Leite em pó desnatado: A demanda por esse produto também foi impactada pela maior produção doméstica. Segundo o Serviço Agrícola Estrangeiro dos Estados Unidos (USDA FAS), as importações chinesas devem continuar em queda devido aos altos estoques locais e à produção interna crescente.
- Soro de leite: Os volumes de soro importados caíram 38,7 mil toneladas no primeiro semestre de 2024, resultado da redução na demanda para alimentos e ração, devido à queda das taxas de natalidade na China e à diminuição do rebanho suíno.
- Leite líquido e creme: As importações desses produtos também foram reduzidas, afetando principalmente exportadores como Polônia, Alemanha e Austrália.
- Queijo e manteiga: Essas commodities mantêm algum espaço no mercado chinês, mas sua produção local é limitada. A previsão do USDA FAS indica queda nas importações de manteiga e estabilidade nas compras de queijo, com uma leve retração no consumo doméstico.
Além da autossuficiência chinesa, outro fator estratégico coloca o Brasil no radar: as tarifas aplicadas pela China sobre o leite e derivados dos Estados Unidos, em meio à disputa comercial travada entre os dois países desde 2018. As tarifas chinesas para produtos lácteos americanos variam entre 25% e 45%, o que compromete seriamente a competitividade dos EUA no maior mercado consumidor do mundo.
Esse cenário cria uma oportunidade rara para o Brasil. Com um custo de produção competitivo, disponibilidade crescente de matéria-prima e acordos sanitários avançando com o mercado chinês, o país tem condições reais de assumir o protagonismo nas exportações de lácteos para a China nos próximos anos.
Atualmente, o Brasil possui um excedente de leite que precisa de mercado. Nos últimos anos, o setor brasileiro enfrentou queda no consumo interno, altos custos de produção e margens apertadas para o produtor, mas o aumento da demanda internacional pode funcionar como um motor para a recuperação.

Ainda que o Brasil represente hoje uma fatia pequena nas importações chinesas de lácteos, especialistas indicam que há espaço para crescimento acelerado. O país tem capacidade para:
- Aumentar a produção de leite com foco na exportação.
- Desenvolver logística competitiva para atender ao mercado asiático.
- Aproveitar as lacunas deixadas por tradicionais fornecedores impactados pela política chinesa de autossuficiência.
- Ganhar mercado com produtos como leite em pó, leite UHT e ingredientes lácteos.
De acordo com projeções do Rabobank, o Brasil pode ampliar sua presença nas exportações para a China já a partir de 2025, principalmente se conseguir firmar acordos sanitários, garantir qualidade e oferecer preços competitivos.
O movimento estratégico do Brasil não acontece isoladamente. Outros países produtores também tentam ocupar o espaço deixado pela retração dos Estados Unidos e pela produção doméstica chinesa. Porém, poucos têm as vantagens do Brasil:
- Proximidade geográfica relativa, com linhas de navegação já consolidadas.
- Capacidade de escala produtiva e expansão territorial.
- Alinhamento político e comercial favorável com o governo chinês.
Enquanto isso, grandes exportadores tradicionais como Nova Zelândia e Austrália enfrentam limitações de expansão de produção e desafios climáticos. A União Europeia, por sua vez, sofre com regulamentações ambientais rígidas e custos elevados.
A possível “nova invasão chinesa” de produtos lácteos brasileiros não significa dependência exclusiva da China, mas a abertura de um mercado bilionário que pode transformar a cadeia produtiva nacional.
Se o Brasil souber aproveitar este momento, poderá não apenas ampliar suas exportações, mas também estimular investimentos no campo, melhorar a remuneração do produtor e fortalecer sua indústria de lácteos.
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