Animais eram um problema ambiental na Austrália. Agora, os camelos são vistos como uma oportunidade para produzir leite mais saudável que seu ‘concorrente bovino’
Marcel Steingiesser pediu demissão após 14 anos de carreira em uma das maiores companhias de mineração do planeta para apostar no que ele diz ser uma oportunidade melhor: a exploração de leite de camelo na Austrália.
Enquanto a demanda está crescendo nos Estados Unidos e na Ásia, os supostos benefícios à saúde desse leite atraem também novos consumidores fora de mercados tradicionais que demandam esse tipo de alimento, como a África e o Oriente Médio. E simplesmente não há camelos suficientes para atender à demanda global para um leite que já é vendido a US$ 19 por litro (ou US$ 72 por galão) em algumas partes da Ásia.
Leite de camelo: gosto e preço salgado
A Austrália é a esperança para preencher essa lacuna: lá vive a maior cáfila (rebanho) de camelos selvagens do planeta, diz Steingiesser, que se tornou CEO da Good Earth Dairy, empresa de produção de leite de camelo, sem nunca ter provado esse leite com gosto levemente salgado. Agora, ele bebe o produto regularmente.
“Nós temos a oportunidade de produzir o melhor leite de camelo do mundo”, afirma o CEO, na fábrica onde produz a companhia produz o produto a 160 km ao norte da cidade de Perth, enquanto Bob, um camelo macho de dois anos, tenta fuçar nos bolsos do executivo.
“A Austrália tem uma reputação incrível em seus padrões de segurança alimentar e essa é uma excelente oportunidade para a indústria de laticínios do país”.
Até então, os camelos eram um problema na Austrália. Camelos selvagens causavam estragos no interior desde que foram introduzidos ao país nos anos 1840 com para ajudar os colonizadores a se locomoverem pelo vasto território australiano. Os animais e seus guias, os chamados cameleiros afegãos, colaboraram no desenvolvimento de linhas vitais de transporte – inclusive sendo lembradas pela ligação ferroviária entre Darwin, ao Norte, e Adelaine, no Sul, a uma distância de 3 mil km.
A quantidade de animais cresce aproximadamente 8% ao ano, segundo a agência de pesquisa animal Pest Smart, e os animais são normalmente abatidos por helicópteros em áreas remotas. A população poderia dobrar em uma década, segundo relatório de 2010. Mas os camelos selvagens podem ser capturados e domesticados.
Leite e camelos selvagens
Essa é uma boa oportunidade para a Good Earth, pois o acesso aos camelos selvagens torna mais fácil uma expansão rápida, afirma Steingiesser. Atualmente a companhia possui cerca de cem camelos, e busca expandir sua cáfila para 3,3 mil até junho de 2020. Esse número de animais poderá produzir cerca de 10 mil litros por dia, ou o equivalente a 6 litros por animal. No país, vacas leiteiras produzem em média 16 litros por dia.
Certamente o leite de camelo ainda é muito caro em comparação ao equivalente bovino. Um litro a venda em Singapura, importado dos Emirados Árabes Unidos, custa US$ 19 – contra R$ 4,30 por dois litros de leite de vaca.
Ganhar escala é a chave para tornar os custos de produção mais baixos, afirma Steingiesser. Com seus 14 anos de experiência como engenheiro químico na multinacional BHP ele quer descer os custos de produção ao equivalente a um dólar australiano. Ele não revela, contudo, qual é o valor atual.
“A Austrália possui uma posição única”, afirma o diretor e co-fundador da Good Earth Stephen Geppert. “Se fossemos contar apenas com nossa criação teríamos um potencial muito limitado, mas temos acesso a um enorme suprimento no deserto”.
Geppert entende de camelos. Ele montou em dois deles para atravessar os cinco maiores desertos da Austrália em um ano – e sozinho. Ele foi atacado por búfalos de 1,2 toneladas e conseguiu proteger ele e seus dois camelos machos com um rifle.
Demanda em expansão
Outra empresa produtora, a The Camel Milk Co, também da Austrália, dobrou a produção no ano passado e agora produz aproximadamente 250 litros por dia com seus 250 animais. A expansão fez a fundadora Megan Williams a mudar a propriedade de produção para uma fazenda quatro vezes maior que a antiga. O local tem capacidade para abrigar até mil camelos e Williams afirma que irá aumentar a oferta conforme a demanda. Lá os camelos são ordenhados ao lado de seus filhotes.
A proprietária começou a exportar leite fresco para Singapura em janeiro, levando as vendas a dobrarem. Ela também está negociando com compradores da Malásia. Na Austrália, a oferta não consegue acompanhar a demanda e há um período de espera de quatro semanas para novos clientes, estima relatório do governo local. O leite de camelo pode ser usado para a produção de leite em pó, queijo e para produtos para pele e cabelo.
Comparado ao laticínio de vaca, o leite de camelo tem cinco vezes mais vitamina C e dez vezes mais ferro, segundo a Associação da Indústria de Camelos da Austrália. O produto não contém as mesmas proteínas de soro de leite que contribuem para a formação de alergias, como ocorre com o leite bovino.
Allison Aitken, uma empresária de 50 anos da cidade de Dalmeny, no estado de Novo Galer, afirma que desde que começou a beber leite de camelo há três meses para auxiliar em problemas estomacais, os sintomas melhoraram dramaticamente. Ela paga 140 dólares australianos por quatro litros, e recebe o produto refrigerado em casa.
“Já fiz 17 dietas diferentes, como a paleolítica e a sem glúten e, curiosamente, algo simples como leite de camelo funcionou”, afirma Aitken, que consome meio copo de leite de camelo diariamente.
Fonte: Gazeta do Povo