Estudo desvenda detalhes da genética do cavalo Quarto de Milha

Pesquisa traz descobertas importantes sobre como o componente genético influencia o desempenho de cavalos da raça Quarto de Milha no Brasil

Pesquisadores brasileiros publicaram um estudo sobre melhoramento genético de equinos. A pesquisa revela descobertas relevantes sobre a influência do componente genético no desempenho de cavalos da raça Quarto de Milha em provas de três tambores no Brasil. O artigo, divulgado no renomado Journal of Animal Breeding and Genetics, foi desenvolvido pelos pesquisadores Mário Luiz Santana, Thiago Garcia Botelho Franco e Annaiza Braga Bignardi. A revista é uma referência indispensável para cientistas, docentes e profissionais da área de genética e melhoramento animal.

A Associação Brasileira de Zootecnistas (ABZ) entrevistou um dos autores do estudo, o zootecnista e professor Mário Luiz Santana Júnior. Ele é pós-doutorado em Zootecnia, com ênfase em Melhoramento Genético Animal, pela Universidade de São Paulo (FZEA-USP).

A pesquisa deu ênfase para os animais dedicados a prática esportiva dos três tambores, A prova exige velocidade, agilidade e precisão. Durante a competição, cavaleiros e cavalos percorrem um circuito em formato de trevo ao redor de três tambores, buscando completar o percurso no menor tempo possível. Derrubar um tambor acarreta uma penalidade de cinco segundos, o que pode ser decisivo para a classificação.

Zootecnista e professor Mário Luiz Santana Júnior
Zootecnista e professor Mário Luiz Santana Júnior

A pesquisa constatou que o desempenho dos cavalos na modalidade tem uma base herdável, ou seja, o componente genético representa uma porção importante das diferenças no tempo de prova entre os animais. A herdabilidade da característica tempo para completar o percurso dos três tambores foi entre 0,15 e 0,24. Isso significa que a seleção de animais com melhor desempenho pode levar a melhorias significativas na velocidade e eficiência dos cavalos ao longo das gerações.

Essa descoberta é fundamental para criadores e treinadores que desejam aprimorar geneticamente seus plantéis possam obter melhores resultados em competições. Além disso, identificamos que a idade tem um impacto expressivo no desempenho dos cavalos. Animais mais jovens geralmente apresentam tempos mais altos, com o desempenho melhorando progressivamente até atingir seu auge aos 6 anos, momento a partir do qual tende a se manter estável” – revelou o pesquisador.

Esse achado reforça a importância de considerar a idade ao avaliar o potencial esportivo dos cavalos Quarto de Milha e ao definir estratégias de treinamento. As correlações genéticas entre os tempos de prova em diferentes idades foram, em geral, fortes (acima de 0,8). A menor correlação genética média observada foi de 0,65, registrada entre os tempos de prova aos 36 e 144 meses de idade.

Segundo o professor, isso indica que os criadores podem antecipar a seleção dos cavalos com melhor mérito genético em idade jovem, pois deve resultar em progresso genético também em idades mais avançadas. Outro fator relevante identificado foi a influência do sexo no desempenho dos cavalos.

Nossos resultados mostraram que as fêmeas da raça Quarto de Milha, em média, apresentaram tempos melhores do que os machos. Essa diferença pode estar relacionada a, por exemplo, fatores físicos e fisiológicos. Também observamos que fatores ambientais permanentes, como treinamento e manejo nutricional, desempenham um papel essencial no desempenho dos Quarto de Milha ao longo do tempo” – apresentou Mário.

Essas revelações indicam que, além do componente genético, aspectos externos influenciam o desempenho e podem ser otimizados para melhorar os resultados. Cavalos expostos a treinamentos mais eficientes e com maior experiência em competições devem apresentar rendimento superior.

Outro achado importante foi que o desempenho dos cavalos Quarto de Milha em provas de três tambores vem melhorando ao longo dos anos. A análise mostrou uma tendência de tempos de prova observados cada vez menores. Entretanto, foi constatado que do ponto de vista genético, não houve progresso significativo ao longo dos anos. Portanto, a evolução no desempenho dos cavalos Quarto de Milha pode ser atribuída principalmente a fatores não genéticos como melhorias na nutrição, manejo, treinamento e saúde. Assim, há amplo espaço para a seleção e melhoramento genético.

Perguntado sobre quais são os principais desafios atuais do melhoramento genético de equinos, Mário destacou a disponibilidade, coleta e estruturação de dados de qualidade para a implementação de programas de avaliação genética e seleção para desempenho esportivo.

“Atualmente, muitas modalidades equestres, como a prova de três tambores, carecem de bancos de dados organizados e de longo prazo contendo informações detalhadas sobre pedigree dos animais, genótipos, desempenho e fatores ambientais. A ausência e desorganização dessas informações dificulta a aplicação de metodologias avançadas para estimar parâmetros genéticos e prever o mérito genético dos animais” – salientou o pesquisador.

Além disso, diferentemente de espécies de produção, como bovinos, suínos e aves, onde existem programas consolidados de melhoramento genético, na equinocultura esportiva ainda há resistência à adoção de ferramentas científicas na seleção de reprodutores. Muitas decisões de acasalamento são baseadas apenas em critérios fenotípicos ou em linhagens tradicionais, sem considerar o mérito genético dos animais.

A conscientização e a capacitação dos criadores e suas Associações de raça são essenciais para mudar esse cenário. A implementação de avaliações genéticas oficiais, aliada à disseminação do conhecimento sobre suas vantagens, pode contribuir para a adoção de estratégias mais eficientes e sustentáveis no melhoramento genético dos equinos. Por fim, são também necessários investimentos contínuos em pesquisa e inovação na área, garantindo que a seleção genética seja cada vez mais efetiva e alinhada às demandas do setor, expôs Mário.

Melhoramento genético de equinos versus bovinos

Enquanto o melhoramento genético de bovinos tem sido focado majoritariamente em características produtivas e econômicas (como peso, conversão alimentar e produção de leite), o melhoramento genético de equinos está mais voltado para atributos relacionados ao desempenho atlético, aparência, conformação morfológica e aptidão funcional. Características como velocidade, resistência, temperamento e biomecânica são essenciais na seleção de cavalos de esporte e trabalho.

Em bovinos, a adoção de biotécnicas reprodutivas como inseminação artificial e a transferência de embriões são amplamente difundidas, permitindo a avaliação precoce de reprodutores e a rápida disseminação do melhoramento genético. Já na equinocultura, o uso dessas biotecnologias é mais restrito devido a regulamentos específicos de associações de raças e à menor taxa de adoção.

Além disso, a coleta sistemática e estruturada de dados de desempenho em equinos é mais limitada do que em bovinos, dificultando análises genéticas robustas. O setor de bovinos conta com programas bem estruturados de avaliação genética, muitas vezes conduzidos por associações de criadores ou instituições de pesquisa. Já no caso dos equinos, a implementação de avaliações genéticas oficiais é inexistente no Brasil.

O pesquisador também destacou o papel do zootecnista para o progresso do melhoramento genético animal, não só de bovinos ou equinos. Ele acredita que a maior dificuldade para os zootecnistas que desejam atuar no melhoramento genético de equinos é a conscientização de criadores e Associações sobre os benefícios dessa prática, permitindo que alcancem seus objetivos de forma mais eficiente.

Nesse contexto, há um vasto campo de atuação para o zootecnista, uma vez que o melhoramento genético equino ainda é pouco explorado no Brasil. Como mencionado anteriormente para o caso dos cavalos Quarto de Milha em provas dos três tambores, foi mostrado que a população tem melhorado do ponto de vista fenotípico, mas está estagnada geneticamente. Assim, há amplo espaço para a atuação de zootecnistas neste campo.

A implementação de programas contínuos de avaliação genética e seleção representaria uma oportunidade ímpar para a atuação desses profissionais em todo o país. Além disso, o suporte técnico na coleta de dados e na tomada de decisões de seleção poderia impulsionar o trabalho do zootecnista em outras áreas, como nutrição, manejo e treinamento de cavalos para diferentes modalidades de esportes equestres.

A entrevista completa você pode acessar aqui, o artigo mencionado pode ser consultado na íntegra, clicando aqui. Alternativamente, o artigo pode ser requisitado via email: santana@ufr.edu.br

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