
Trio de empresas do agro prometia retorno de até 10% ao ano com criação de gado, mas deixou um rombo de US$ 300 milhões no Uruguai, escândalo conhecido como Golpe do Boi no país, e expôs a fragilidade na fiscalização do setor.
Eles acreditaram no campo — e perderam tudo. O ‘Golpe do Boi‘, como vem sendo chamado no Uruguai, já figura entre os maiores escândalos financeiros do agronegócio na América do Sul. Cerca de 6.000 investidores foram lesados por um esquema de investimentos em gado que prometia retornos garantidos, mas terminou em recuperação judicial e com um rombo de US$ 300 milhões.
O caso envolve três empresas: Conexion Ganadera, Republica Ganadera e Grupo Larrarte, que por anos venderam participações em empreendimentos pecuários, atraindo investidores urbanos de classe média com a promessa de lucros acima da média e a segurança do negócio agropecuário.
Como começou o golpe
O negócio parecia sólido. Fundada em 1999 pelas famílias Carrasco e Basso, a Conexion Ganadera nasceu como um canal para conectar a poupança de investidores urbanos a fazendeiros que precisavam de crédito. Durante os primeiros anos, o projeto era pequeno, mas entre 2015 e 2020 a operação explodiu: a empresa chegou a gerenciar cerca de 125 mil cabeças de gado.
Comercializando contratos que prometiam retornos de até 10% ao ano em dólares, as empresas atraíram famílias inteiras e grupos de amigos, principalmente por meio de indicações boca a boca. Para muitos uruguaios, investir em gado parecia tão seguro quanto guardar dinheiro no banco.
Porém, por trás da fachada respeitável, o modelo financeiro estava ruindo. Segundo o contador externo da Conexion Ganadera, o projeto “provavelmente começou como um projeto viável, mas virou um esquema Ponzi”.
A fraude revelada no Golpe do Boi
O escândalo veio à tona quando ficou claro que muitos dos investidores não tinham, de fato, nenhum animal em seu nome. As empresas enfrentavam um déficit brutal: só a Conexion Ganadera devia cerca de US$ 384 milhões e possuía apenas US$ 158 milhões em ativos.
Fatores externos aceleraram o colapso. Uma seca histórica em 2022/23 impactou o setor agropecuário, somada ao aumento das taxas de juros globais. As empresas também mantinham contratos de arrendamento de pastagens por valores elevados, o que drenava ainda mais a operação.
O golpe não afetou apenas grandes investidores: muitos eram uruguaios de classe média, que apostaram suas economias de uma vida inteira no negócio. Casos como o do cardiologista Oscar Spalter, que investiu mais da metade de suas reservas financeiras na Conexion Ganadera, se repetem aos montes.
O impacto no setor e as investigações
A fraude representa um duro golpe à credibilidade do setor agropecuário do Uruguai, país com uma tradição pecuária sólida e uma economia fortemente ligada à carne bovina. O escândalo também levanta questionamentos sobre a falta de regulamentação para investimentos desse tipo.
Desde 2018, o Banco Central do Uruguai já havia aberto 11 investigações sobre práticas de captação de recursos feitas pelas empresas, mas as medidas de fiscalização não foram suficientes para evitar o rombo.
O processo de falência das empresas segue separado das investigações criminais, que apuram a responsabilidade dos envolvidos no Golpe do Boi. Enquanto isso, a justiça uruguaia tenta decidir se os ativos restantes serão liquidados ou se haverá alguma forma de reestruturação para minimizar as perdas dos investidores.
Para especialistas como Pablo Rosselli, sócio da consultoria Exante, o caso deixa claro que instrumentos financeiros baseados em atividades agropecuárias precisam ser regulamentados para proteger investidores de varejo.