Devido às dificuldades de acesso a pesticidas e fertilizantes, é provável que a produtividade destas culturas também seja inferior à dos anos anteriores
Apesar de o pânico inicial ter amenizado, as coisas ainda parecem ruins para o grão mais importante do mundo. Os futuros do trigo recuaram cerca de 20% em relação à máxima de nove anos da semana passada, mas continuam sendo negociados a mais que o dobro do nível de preços pré-pandemia, graças à incerteza causada pela invasão russa à Ucrânia. Este é um forte contraste com as oscilações mais chamativas do petróleo bruto, que agora devolveram todos os seus ganhos desde a disparada com a invasão da Rússia.
Rússia e Ucrânia, entre si, foram responsáveis por quase 30% das exportações globais no ano de 2021. A perda dessas exportações devido à guerra ameaça deixar o pão inacessível a milhões de pessoas, que dependem dessas exportações, com todo o risco adicional de instabilidade política que esse fato acarreta.
Analistas de todos os cantos já falam sobre o risco de que um (muito) possível aumento dos preços cause uma repetição da chamada ‘Primavera Árabe’, a onda de revoltas contra os governos autocratas no Oriente Médio e no Norte de África, há uma década. Por exemplo, o Egito, país com 105 milhões de habitantes, importa mais de 70% do trigo que utiliza para moagem, e cerca de dois terços disso vem da Rússia e da Ucrânia.
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura afirmou na última semana: “se o conflito resultar numa redução súbita e prolongada das exportações de alimentos por parte da Ucrânia e da Federação Russa, ele pode exercer uma pressão ascendente extra sobre os preços internacionais de commodities alimentares em detrimento, especialmente, dos países economicamente vulneráveis”. Como resultado, estima-se que mais 13 milhões de pessoas em todo o mundo poderiam acabar sofrendo de desnutrição.
A avaliação preliminar da FAO é que entre 20% e 30% das áreas atualmente destinadas a cereais de inverno, milho e sementes de girassol na Ucrânia não serão plantadas ou colhidas durante a safra 2022/23. E devido às dificuldades de acesso a pesticidas e fertilizantes, é provável que a produtividade destas culturas também seja inferior à dos anos anteriores. No entanto, este é apenas o efeito direto da guerra sobre as culturas em si. Muito mais difícil de se quantificar são os obstáculos que vêm à tona na forma de sanções financeiras e outras perturbações de motivação política dos mercados.