Nos últimos anos, o uso de enzimas para a inativação de micotoxinas tornou-se uma ferramenta segura e efetiva, com efeitos sobre uma ampla gama de micotoxinas.
A produção brasileira de milho em 2022/2023 deve fechar em 125,5 milhões de toneladas. Mais de 70% da produção mundial de cereais está destinada à alimentação animal, portanto, qualquer alteração na qualidade destas matérias-primas para a elaboração de rações provocará significativos impactos na produtividade animal. A contaminação dos grãos com diferentes espécies de fungos não é uma novidade, no entanto, algumas mudanças recentes no clima e nas tecnologias de cultivo, combinadas com a grande capacidade de adaptação destes fungos, aumentam sua prevalência. Está claro que a contaminação dos grãos por fungos não é apenas um problema pontual, mas sim um problema sistêmico, pois sob certas condições ambientais (temperatura, disponibilidade de oxigênio e umidade) produzirão metabólitos tóxicos (micotoxinas).
As micotoxinas são compostas de diversas estruturas químicas, em geral de baixo peso molecular, produzidas por muitas espécies de fungos sendo os principais Aspergillus, Penicillium e Fusarium. Esses fungos e seus metabólitos tóxicos afetam a qualidade das matérias-primas e deste modo causam perdas econômicas milionárias; para mencionar apenas uma estatística, podemos citar a estimativa dos Estados Unidos de US$ 900 milhões.
A contaminação por micotoxinas pode ocorrer em vários estágios da produção de grãos, tais como cultivo, colheita, transporte, processamento e armazenamento. Tanto a contaminação fúngica como a subsequente produção de micotoxinas estão intimamente relacionadas com fatores tais como umidade, temperatura, nível de oxigênio e qualidade dos grãos (Tabela 1).
A umidade do grão no período de colheita, as boas práticas no processamento e o armazenamento fazem com que as micotoxinas produzidas durante o período pós-colheita (por exemplo, Aflatoxinas) apresentem, na atualidade, uma incidência mais baixa. Por outro lado, as micotoxinas que são formadas nos grãos ainda no campo, como as produzidas pelo gênero Fusarium spp. independem da qualidade de armazenamento, e desta forma, estas micotoxinas adquiriram cada vez mais importância nos programas de controle de micotoxicoses. Portanto, os métodos de controle, necessariamente, vão variar em função da micotoxina presente em cada caso, e desta maneira, faz-se indispensável conhecer a prevalência das micotoxinas nas diferentes regiões e a sua sazonalidade.
No ano de 2019 foram realizados mais de quatro mil análises de micotoxinas em matérias-primas de oito países da América Latina. Do total de amostras analisadas, encontrou-se uma positividade de 76% das mesmas para uma ou mais micotoxinas (Gráfico 1).
As prevalência de amostras combinadas de duas ou mais micotoxinas podem ser vistas na Figura 2.
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Muito se evoluiu nas técnicas de detecção de micotoxinas, sendo que hoje existem técnicas como HPLC, Elisa, Imunocromatografia e cromatografia em camada fina. Apesar disso, ainda existem várias complicações quando se trata de detectar micotoxinas: as micotoxinas geralmente se apresentam em “Hot Spot”, ou seja, sua distribuição não é homogênea dentro de um lote de grãos.
Os níveis mínimos de detecção, em alguns casos, estão acima dos níveis máximos recomendados para os animais. As técnicas geralmente são específicas para uma micotoxina, portanto, vários testes devem ser realizados para determinar o perfil de contaminação completo.
Algumas micotoxinas podem estar “ocultas” e não serem detectadas por métodos analíticos tradicionais. Tudo isso faz com que erros sejam cometidos na detecção de micotoxinas e, consequentemente, decisões erradas sejam tomadas para o seu controle. Estima-se que aproximadamente 88% dos erros de detecção de micotoxinas são erros de amostragem.
Como elas agem
A ingestão de micotoxinas pelos animais pode desencadear quadros agudos ou crônicos em função das concentrações e periodicidade de ingestão. As lesões podem variar desde uma ligeira diminuição dos parâmetros de produção até culminar com a morte do animal. No entanto, as consequências mais comuns da ingestão de micotoxinas são a imunossupressão e os transtornos reprodutivos. Embora cada tipo de micotoxina tenha impactos diferentes nos animais, existem relatórios sobre a forma como as micotoxinas interagem com o epitélio intestinal. A saúde do Trato Gastrointestinal (TGI) é a chave para alcançar um desenvolvimento adequado da microflora intestinal, a fim de obter os resultados produtivos desejados.
Atualmente existem cerca de 300 tipos diferentes de micotoxinas conhecidas, porém estima-se que possam existir mais de 20.000 tipos diferentes. Na produção animal, as micotoxinas mais relevantes são Aflatoxinas, Fumonisinas, Ocratoxinas, Tricotecenos (DON/T2/TH2/DAS) e Zearalenonas. A seguir, são mencionadas algumas das alterações que podem causadas pelas diferentes micotoxinas.
As lesões macroscópicas que as micotoxinas podem causar nos animais são muito variadas e incaracterísticas. Além disso, deve ser considerado que raramente encontraremos amostras com contaminação por uma única micotoxina, mas pelo contrário, as contaminações mistas são mais comuns (pelo menos 1 em cada 4 amostras). Dessa forma, as contaminações com mais de uma micotoxina pode gerar efeitos sinérgicos ou aditivos nos animais. O efeito aditivo ocorre quando o resultado da exposição a duas micotoxinas é maior do que a exposição a cada uma delas individualmente.
Tanto DON como Fumonisinas diminuem o número de células caliciformes e a altura das vilosidades intestinais. Mas quando estão juntas, a diminuição em ambos os parâmetros é maior. Um efeito sinérgico ocorre quando diferentes micotoxinas atuam em diferentes fases do mesmo mecanismo de ação. Por exemplo, T2 aumenta a peroxidação lipídica, causando um aumento na concentração de espécies reativas de oxigênio (ROS). Enquanto a Aflatoxina B1 inibe os mecanismos naturais de eliminação de ROS.
Formas de controle
Assim como há uma grande variedade de micotoxinas, existe uma enorme variedade de métodos de controle. Esses variam desde boas práticas agrícolas de armazenamento a produtos enzimáticos com um elevado valor tecnológico. Historicamente, os ácidos inibidores de crescimento de fungos e adsorventes minerais têm sido a principal estratégia para o controle das micotoxinas; no entanto, as melhorias tecnológicas permitem obter novas perspectivas de controle na produção animal.
Os inibidores fúngicos impedem o crescimento vegetativo de fungos e, consequentemente, a formação de micotoxinas durante o armazenamento de grãos, enquanto os adsorventes agem na remoção de micotoxinas no trato digestivo dos animais, uma vez que a adsorção é dependente principalmente da polaridade (carga iônica das moléculas) de cada micotoxina.
Nos últimos anos, o uso de enzimas para a inativação de micotoxinas (Figura 4) tornou-se uma ferramenta segura e efetiva, com efeitos sobre uma ampla gama de micotoxinas que na sua maioria não são adequadamente controladas por métodos tradicionais. As enzimas são moléculas amplamente conhecidas por seu efeito fundamental no metabolismo dos seres vivos, com atividades que vão desde a contração muscular até a troca de gás nos pulmões. Essas são substâncias orgânicas de natureza normalmente protéica com atividade intracelular e extracelular. Elas têm funções catalíticas em reações químicas, permitindo que essas sejam produzidas na forma e velocidade requeridas.
Essa capacidade catalítica das enzimas também as torna adequadas para aplicações industriais, tais como a produção em grande escala de antibióticos e a melhoria da digestibilidade dos nutrientes em dietas monogástricas (por exemplo, fitases). Dentro deste aspecto, os mecanismos de inativação enzimática resultam numa plataforma eficaz para a biotransformação de micotoxinas que são mal controladas pelos mecanismos tradicionais na produção animal. Estudos em microbiologia e sobre as enzimas levaram à descoberta de enzimas segregadas por microrganismos capazes de metabolizar as micotoxinas. Esse mecanismo é chamado de detoxificação, biotransformação ou inativação enzimática.
Tendo as enzimas seu mecanismo de ação muito específico (catalisam reações químicas num determinado ponto de uma molécula), e dependentes de um ambiente característico (temperatura, pH, tempo, etc.) é de suma importância utilizar enzimas adaptadas às espécies animais a serem utilizadas, uma vez que o pH e o tempo de permanência da ração em ruminantes não são os mesmos que em monogástricos.
Conclusões
É fundamental escolher a ferramenta mais adequada, haja visto o desafio de micotoxinas encontrado em cada situação, principalmente para micotoxinas de média e baixa polaridade. A composição total dos produtos à base de enzimas é importante para o efeito biológico do produto sobre os animais e para o controle de micotoxinas. A atividade enzimática deve ser em pH ácido, para inativar as micotoxinas antes do ingresso dessa no trato intestinal.
Fonte: Por Eduardo Miotto Ternus, consultor técnico da área de Suínos da Vetanco.
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