Com olho no futuro, Agro intensifica uso de práticas ESG

A sigla, em inglês, significa Environmental, Social and Corporate Governance, algo como melhores práticas ambientais, sociais e de governança, em português.

Nos últimos anos, as práticas de ESG vêm empurrando com mais velocidade a agropecuária para uma economia baseada em índices mensuráveis, o que leva o setor a um planejamento estratégico com os olhos da atualidade.

Agropecuária somente faz sentido nos dias atuais – e justifica sua importância às gerações futuras – se preceitos ancorados no ambiental, no social e na governança forem determinantes das benesses do campo. Sob o prisma ESG, a sociedade cobrará sem trégua o valor da jornada do alimento na sua tomada de decisão.

O setor do agronegócio deve chegar neste ano a um VBP (Valor Bruto da Produção) de R$ 1,1 trilhão, segundo a mais recente estimativa do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Mas conjuntos de colhedoras de soja em fila indiana, na paralela ou em forma da letra V, com plantadeiras de milho logo atrás depositando nos sulcos da terra as sementes da segunda safra – cena que enlouquece qualquer norte-americano e europeu, que têm a sina de apenas um plantio por ano, no cálculo de suas geladas naturezas –, já não bastam para justificar a pujança tropical do agronegócio brasileiro.

É preciso ir além, porque no comando dessas máquinas, na gestão e na operação da engrenagem produtiva há humanos dentro e fora das porteiras manipulando uma paisagem de complexidade superior àquilo que os olhos veem – sua ecologia está baseada na riqueza da microbiota da área cultivada, nas matas, florestas e rios. O mesmo raciocínio vale para as culturas perenes, como café ou frutas, entre outras; para a criação de animais, como bovinos, suínos e aves; e na produção de fibras, celulose ou bioenergias limpas. “Conservação e produtividade têm de ser o nosso mantra”, vem afirmando a ministra Tereza Cristina, do Mapa, nas várias ocasiões em que é instada a se posicionar sobre a sustentabilidade dos sistemas produtivos e os seus impactos sociais e ambientais. A concessão de crédito condicionado à adoção de tecnologias e ESG tende a ser determinante nos Planos Safras.

O Centro de Excelência em Agribusiness da PwC Brasil, empresa de prestação de serviços e de consultoria em cerca de 160 países, e que conta com bases em Cuiabá (MT), Goiânia (GO) e Ribeirão Preto (SP) voltadas ao agronegócio, apresentou em abril o resultado de uma pesquisa intitulada “Importância da Agenda ESG no Agronegócio”. Ela mostra as principais tendências e desafios do setor. “É importante para as empresas serem transparentes em suas práticas e, consequentemente, transformar o que têm de melhor”, disse Maurício Moraes, há 30 anos na consultoria e líder de agribusiness, durante o lançamento da pesquisa. “E também potencializar e diferenciar tudo o que vêm fazendo, trazendo para o consumidor uma visão clara de suas práticas.”

Nos últimos anos, as práticas de ESG vêm empurrando com mais velocidade a agropecuária para uma economia baseada em índices mensuráveis, o que leva o setor a um planejamento estratégico com os olhos da atualidade. Na pesquisa da PwC, de acordo com 47% dos respondentes, informações de ESG são tão relevantes quanto o acesso às informações financeiras de uma empresa. Significa que o PIB do agronegócio em 2020, calculado pelo Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada – Esalq/USP), em parceria com a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), de quase R$ 2 trilhões, valor 24,31% superior ao ciclo anterior, precisa vir acoplado a outros números. Como, por exemplo, o estoque de 218 milhões de hectares de terras preservadas com matas nativas dentro das propriedades rurais brasileiras, avaliado em R$ 3,1 trilhões, de acordo com a Embrapa Territorial (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), unidade sediada em Campinas (SP).

Para o planeta ver

O mundo que demanda por alimentos olha para o país como uma reserva de oportunidades porque parte do caminho já foi traçado. Walter Schalka, presidente da Suzano, companhia de celulose e bioenergia, diz que o conjunto ESG é praticado há décadas na empresa. Mas Schalka considera que enquanto a governança é algo intrínseco a cada empresa, em um processo de amadurecimento, questões sociais e de meio ambiente ganharam uma relevância geracional nos últimos anos, tanto que não é mais possível postergar decisões sobre clima e sobre uma sociedade mais inclusiva. “Está caindo a ficha de que o papel das empresas e dos governos é geracional. Nós não podemos mais procrastinar essa questão do CO2”, diz Schalka. “Não adianta uma empresa, um país ou um grupo de consumidores acharem que vão resolver isso, tem de ser o mundo”.

Há um quase consenso entre as lideranças do agronegócio de que a agenda do desenvolvimento sustentável de viés ambiental definitivamente está atrelada aos balancetes financeiros, independentemente do tamanho do negócio. Guardadas as proporções, o comprometimento socioambiental de um agricultor ou pecuarista tem a mesma relevância de ações de gigantes como a Suzano – porque o mundo olha para o país e acompanha o que ocorre no conjunto da sociedade e não as ações isoladas. Por isso, conectar o desempenho das práticas de ESG a inovações e tecnologias, como bioinsumos, agricultura de precisão, conectividade, integração lavoura-pecuária-floresta, entre outras, ajuda o país a se movimentar melhor no comércio global e a responder pela demanda crescente por energia e produção de alimentos.

‘A gente não sabia’

No ano passado, o Brasil faturou US$ 100,7 bilhões com exportações de produtos agrícolas, valor 32% acima da receita de uma década atrás e 395% se o retorno for de duas décadas, época em que esse comércio rendia US$ 20,5 bilhões. Desse tempo para cá, o número de clientes não mudou muito, cerca de 160 países. Mas houve uma reviravolta completa na configuração do mercado.

Há duas décadas, o maior parceiro comercial brasileiro era a Europa, com US$ 7,5 bilhões, seguido por Estados Unidos, com US$ 3,7 bilhões, e, quem diria, a Argentina, com US$ 1 bilhão de produtos agrícolas comprados no Brasil. A China era o sexto cliente, com US$ 561,5 milhões. Passados 20 anos, a China importou US$ 34 bilhões de produtos do campo na última temporada, 33% do total vendido pelo Brasil, seguida pelo bloco europeu, com US$ 15 bilhões. Com o avanço sobre a produção nacional, o gigante asiático começa a mudar de postura em relação a um dos mais importantes temas da atualidade: o meio ambiente.

No final do mês de maio, o engenheiro chinês Yu Zhidi, do Feco (Foreign Environmental Cooperation Center), órgão do Ministério da Ecologia e Meio Ambiente do país asiático, participou do primeiro evento online promovido pelo CEBC (Conselho Empresarial Brasil-China) em parceria com o think tank chinês IFS (Institute of Finance and Sustainability), reunindo uma série de lideranças dos dois países. Zhidi disse que o consumidor chinês já espera por produtos de baixo carbono, como carne suína; que há um consenso sobre a recuperação do meio ambiente em seu país e que, junto com o Brasil, a China tem um papel muito grande na preservação da biodiversidade global. “Os benefícios precisam ser escutados pelos ouvidos do mercado”, afirmou o especialista.

No GRPS 2021 (“Global Risks Perception Survey”), pesquisa realizada pelo Fórum Econômico Mundial, com sede em Genebra, Suíça, a perda de biodiversidade é colocada como ameaça existencial para a humanidade, ao lado de desafios econômicos, geopolíticos, sociais e tecnológicos. Daí as iniciativas que buscam dar sustentação a esse movimento virem de instituições interessadas no universo dos títulos ligados ao financiamento do desenvolvimento sustentável (green bonds, transition bonds, social bonds, sustainability bonds). São nomes que estão fazendo parte de um novo léxico financeiro e que miram as cadeias do agronegócio de práticas ambientais, sociais e de governança que se comprometem com programas e critérios regulatórios na busca de valor de mercado.

“O mercado de green bonds começou a ser desenvolvido há cerca de cinco anos na China. Há US$ 200 trilhões em ativos e 700 fundos verdes chineses investindo em private equity”, disse o economista chinês Ma Jun, no evento do CEBC. “Existe um mercado grande de green bonds que os brasileiros podem utilizar. Mas nós precisamos construir pontes entre os dois países. Acho que não há falta de dinheiro na China, falta um canal de comunicação. Um dos exemplos é a produção de carne de baixo carbono no Brasil. A gente nunca soube disso.”

Reportagem publicada na edição 87 da Forbes, lançada em maio de 2021

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