A China não consegue atender sozinha à demanda de criar até 10 milhões de jumentos por ano para o abate, por isso importa o animal de países da África e América do Sul. Mas afinal, qual é o papel do Brasil e quais os riscos desse mercado?
A China enfrenta uma alta demanda por jumentos, não conseguindo atender sozinha à necessidade de criar até 10 milhões de animais por ano para o abate. Essa demanda crescente é impulsionada principalmente pela produção de ejiao, um produto medicinal bastante popular e lucrativo da medicina tradicional chinesa. O ejiao é feito a partir do colágeno extraído da pele dos jumentos e é valorizado na medicina tradicional chinesa por supostos benefícios à saúde, embora sua eficácia não seja cientificamente comprovada
O país asiático tem interesse, principalmente, no couro do animal — matéria-prima para a produção do Ejiao, uma gelatina usada na medicina e em cosméticos chineses, que movimentou o equivalente a R$ 22 bilhões em 2018. Já a carne é um subproduto consumido no norte.
Para suprir essa demanda, a China recorre à importação de jumentos de outros países, incluindo o Brasil, onde o abate e exportação desses animais têm aumentado. A exportação de couro de jumento para a China está ligada diretamente à produção de ejiao, refletindo a importância desse mercado específico. Embora a carne do jumento também seja consumida em algumas regiões, ela é considerada um subproduto em relação ao couro
Segundo os chineses, o ejiao é um produto de grande valor, pois acredita-se que tenha propriedades que melhoram a saúde e preservem a juventude. As peles são fervidas para extrair a gelatina, que é transformada em pó, pílulas ou líquido, ou é adicionada aos alimentos. Mas da onde vem essas peles, já que a China não consegue ser autossuficiente na produção de jumentos?
Na África, onde vivem cerca de dois terços dos 53 milhões de jumentos do mundo, os países têm leis diferentes: a exportação de peles desses animais é legal em alguns e ilegal em outros. O Brasil, na América do Sul, é um dos países que possui um grande rebanho desses animais, que fazem parte da cultura nordestina e, recentemente, autorizou a exportação e abate desses animais com um acordo com a China.
Nos últimos dois anos, o Brasil entrou com força nesse mercado. O país asiático tem interesse, principalmente, no couro do animal — matéria-prima para a produção do Ejiao, uma gelatina usada na medicina e em cosméticos chineses, que movimentou o equivalente a R$ 22 bilhões em 2018. Já a carne é um subproduto consumido no norte.
Mercado lucrativo, mas predador no Brasil
O Brasil nem sequer tem um milhão de jumentos para vender. O IBGE contabilizou 902 mil animais no país, sendo 97% (877 mil) no Nordeste. Mesmo assim, em julho de 2017, a Bahia começou a exportar carne e couro à China, com meta de enviar 200 mil unidades por ano. Em um ano e quatro meses após o acordo, mais de 100.000 jumentos foram mortos nos três frigoríficos baianos autorizados pelo governo federal — nos municípios de Amargosa, Itapetinga e Simões Filho.
Outros abatedouros registrados para a atividade estão em Estados onde há poucos animais para suprir o mercado. Se o ritmo de abate chegar à expectativa chinesa, a espécie pode desaparecer em menos de cinco anos no Nordeste.
A redução drástica de jumentos ocorre porque sua cadeia é extrativista — ele é pego na natureza e morto. Não há produção estruturada, normas de criação, fiscalização de transporte ou medidas contra condições precárias, tampouco há uma contagem recente de sua população. Nela, há em média seis atravessadores, incluindo sertanejos, comerciantes, transportadores, fazendeiros ou arrendatários, donos de abatedouros e de empresas de logística aqui e na China.
Comercio pode ser proibido
Apesar de parecer um grande negócio, do ponto de vista econômico, tudo isso por mudar e trazer uma nova realidade para o país asiático: “China precisaria ‘criar’ 10 milhões de jumentos por ano“. Segundo informações obtidas pelo Portal, em breve poderá haver um ponto de virada, com os governos dos Estados africanos e do Brasil discutindo a proibição do abate e a exportação de jumentos em resposta à diminuição das populações.
Especialistas da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP) alertam que, mantido o ritmo atual de abate, a existência da espécie de jumentos no Brasil está ameaçada. A taxa de reprodução dos animais não é suficiente para compensar as perdas causadas pelo abate indiscriminado, especialmente quando se considera o abate clandestino, que não é registrado oficialmente.
Realidade das comunidades e mulheres do campo
Mulheres e meninas, acrescenta ela, carregam o peso da perda quando um animal é levado. “Uma vez que o jumento se vai, as mulheres basicamente tornam-se o jumento novamente”, explica ela. E há uma amarga ironia nisso, porque o ejiao é comercializado principalmente para as mulheres chinesas mais ricas.
É um remédio que tem milhares de anos e que se acredita ter inúmeros benefícios, desde o fortalecimento do sangue até ajudar no sono e aumentar a fertilidade.
Faith, da Donkey Sanctuary, chama o comércio de pele de jumento de “insustentável e desumano”. “Eles estão sendo roubados, potencialmente caminham centenas de quilômetros, são mantidos em um curral lotado e depois massacrados na frente dos outros jumentos”, diz ela.