Villa Germania vende 67% da sua produção para o mercado externo. Promoção no exterior deve ganhar incentivo com selo Brazilian Duck.
O que têm em comum os patinhos criados em um colégio de Santa Catarina para fazer a limpeza das quadras de arroz antes da semeadura, o Japão e a colônia alemã no Estado ao sul do Brasil? Eles fazem parte da origem da maior produtora e exportadora de patos da América Latina e sexta maior exportadora do mundo da ave inteira, a Villa Germania Alimentos, localizada no município de Indaial, que, aproveitando a onda gourmet mundial das proteínas, vem batendo recordes de embarques para o exterior, destino de 67% da sua produção.
Em agosto deste ano, as vendas externas da empresa ganharam mais um incentivo, com a criação do selo Brazilian Duck (“pato brasileiro”, em tradução livre) pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil).
O novo selo, que já provocou barulho em duas feiras internacionais, atesta credibilidade, qualidade, sanidade, sustentabilidade e saudabilidade da carne de pato brasileira para um mercado premium, com foco especial em países do Oriente Médio, onde a empresa catarinense domina 90% do mercado, e da Ásia. O Brazilian Duck junta-se às iniciativas anteriores de promoção no exterior das proteínas nacionais: Brazilian Chicken, Brazilian Pork, Brazilian Eggs e Brazilian Breeders (material genético).
Em 2020, as exportações de carne de pato atingiram 3,5 mil toneladas, segundo dados do Agrostat, serviço de estatísticas sobre comércio exterior do Ministério da Agricultura, com uma receita de US$ 9,2 milhões. Neste ano, a empresa de 25 anos, que é a única do setor no Brasil e tem habilitação para vender carne de pato para mais de 80 países, prevê embarcar 4,5 mil toneladas. De quebra, vê aumentar o consumo dessa proteína premium no Brasil, especialmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Belém, onde é famoso o pato com tucupi servido, principalmente, no feriado do Círio de Nazaré.
Além de colocar seus produtos em gôndolas das grandes redes de supermercado a preços também premium (480 gramas de coxa e sobrecoxa, por exemplo, custam mais de R$ 40 em supermercados consultados pela reportagem), a Germania mantém parcerias com chefs como Alex Atala (SP), Leo Paixão (MG) e Yann Kamps, do Instituto Le Cordon Bleu, do Rio.
A expectativa da indústria de Santa Catarina, que teve alta de 132,5% na receita no primeiro semestre, é fechar 2021 com uma receita líquida de R$ 150 milhões, quase o dobro em comparação ao ano passado, e um lucro líquido de R$ 15,8 milhões.
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A chegada a esses números foi cheia de altos e baixos, de avanços e crises, que quase levaram a empresa à falência, como ocorreu com duas concorrentes, segundo o vice-presidente de operações, Marcondes Aurélio Moser, que falou com a Globo Rural por vídeo, direto de Colônia, na Alemanha. O executivo participou da maior feira de alimentos do mundo, a Anuga, para divulgar a empresa e a marca Brazilian Duck.
Fundada em 1996, a Villa Germania nasceu da demanda da comunidade alemã de Santa Catarina por um prato típico: o marreco (ou pato) recheado. Na época, a empresa comprava os patinhos de um colégio agrícola, criava-os em barracões ao lado da indústria e abatia 50 por dia só para atender ao mercado local. Após três anos, começou a importar genética de patos-de-pequim da França, com foco em precocidade de abate, peso e eficiência alimentar; desativou os barracões e iniciou a verticalização, com a contratação de integrados a um raio de até 150 quilômetros, para criar as aves.
“Tivemos força para reorganizar a empresa, controlar melhor os custos e criar margens para agregar negócios em vez de pagar juros” JOSÉ ARMANDO NOGUEIRA PINTO, vice-presidente corporativo da Villa Germania.
Em 2004, com a gripe aviária abalando a Ásia, o Japão passou a buscar novos fornecedores no mundo e encontrou a Villa Germania, que tinha obtido a primeira habilitação para exportar um ano antes. “Com um pedido de 6 mil patos por dia, eles nos incentivaram a expandir a produção de 1.000 abates diários para 7.500. Cerca de um ano depois chegou a conta, e descobrimos na prática o risco de colocar todos os ovos, quer dizer os patos, em uma cesta só”, diz Marcondes.
O país asiático começou a fazer barganha no preço e colocou mais exigências para importar a carne brasileira. “O dólar caiu, o Japão ficou inviável, tivemos de cancelar o contrato e dar um passo atrás.” A participação em feiras como a Anuga começou a abrir portas para a Germania no Oriente Médio, que recebeu muitos imigrantes, especialmente egípcios, que consomem pato regularmente.
A empresa já tinha a certificação halal, condição necessária para exportar para os países muçulmanos, e investiu, então, na habilitação específica para atender à Arábia Saudita, que passou a ser o principal mercado para o pato brasileiro. Em 2010, quando abatia de 5 mil a 6 mil aves por dia, a empresa decidiu abrir o capital para renovar e ampliar sua indústria. Naquele ano, diz Marcondes, o trem da Germania corria em alta velocidade, mas acabou batendo em um paredão.
Quem explica a “trombada” é o vice-presidente corporativo, o carioca José Armando Nogueira Pinto, que veio do mercado financeiro, de um grande banco, para gerir os investimentos do fundo na indústria, se encantou com o negócio e hoje vive na ponte aérea Rio-Navegantes (cidade catarinense que fica a 73 quilômetros de Indaial). Segundo ele, a empresa recebeu recursos, mas se endividou com empréstimos para financiar a nova planta e ainda teve de enfrentar um momento de grande elevação de custos, descasado com as vendas no mercado externo e potencializado pela crise de grãos (que é a base da ração) em 2012.
“A crise foi feia, mas tivemos força para reorganizar a empresa, controlar melhor os custos e criar margens para agregar negócios em vez de pagar juros”, afirma Nogueira Pinto. Uma das saídas foi passar a porcionar o pato, oferecendo diversos cortes, como peito, coxa e sobrecoxa, e não apenas a ave inteira.
A greve dos caminhoneiros em 2018, que permitia a passagem dos patos, mas não da ração, e a suspensão temporária da importação de aves brasileiras pela Arábia Saudita na sequência impactaram os negócios, mas a entrada do fundo XWR, em 2019, principal investidor atualmente, garantiu que a empresa catarinense parasse de subir de escada e passasse a usar o elevador, analogia repetida pelos dois executivos para explicar o aumento de faturamento.
Com capacidade industrial ociosa, a marca investiu em um reposicionamento estratégico para diversificar seus produtos, sempre com a intenção de agregar valor, atuando em mercados de nicho e passando longe das commodities.
“O processo de certificação para os novos mercados está acelerado, o que pode, inclusive, atrair novos entrantes para o setor”. LUIZ RUA, diretor de mercado da ABPA.
Entraram na linha de produção frangos orgânicos, frangos caipiras, codornas e galinhas-d’angola, de produções próprias ou terceirizadas. O pato, que tem um grande mix de produtos hoje, que inclui o inteiro “assa fácil”, vários cortes de peito, coxa e sobrecoxa, linguiça, hambúrguer, carne moída, filezinho e outros, ainda responde por 65% da produção. Por enquanto, a diversificação atende apenas ao mercado interno, enquanto a Germania busca certificação para exportar também os novos produtos.
A ideia, diz Marcondes, não é parar por aí. A indústria pretende importar cordeiro e novilho da Nova Zelândia e da Austrália, bacalhau de Portugal, cabrito ibérico e porco da Espanha e até produtos de pato da região de Périgord, na França, e colocar sua grife para atender às crescentes demandas gourmet da gastronomia brasileira e da exportação. Está no cardápio também a busca de parcerias locais para oferecer porco orgânico.
Com as inovações, o plano é triplicar o faturamento em poucos anos. Embora tenha habilitação para exportar para mais de 80 países, apenas dez são o destino habitual, com destaque para Arábia Saudita e Dubai, mais Qatar, África do Sul, Japão, Angola, Chile, Cingapura, Hong Kong e México. Abrir os mercados da China, Canadá e União Europeia é a prioridade agora. Marcondes diz que a associação à ABPA este ano e a consequente criação do selo Brazilian Duck fazem parte dessa estratégia.
“Namoramos a associação por um longo tempo, mas não queríamos ficar no meio de ‘frangueiros’. Daí a reivindicação do selo, que é fundamental para atingir novos mercados e posicionar a marca Villa Germania. Acreditamos que essa visibilidade também vai despertar a curiosidade e elevar o consumo interno de pato e outras proteínas gourmet do nosso portfólio.”
A primeira exposição do Brazilian Duck ocorreu na Iran AgroFood 2021, que foi realizada em setembro, em Teerã, capital do Irã. A segunda foi na feira alemã Anuga, em outubro. Luiz Rua, diretor de mercado da ABPA, afirma que a quantidade de pessoas que procuraram o estande da associação na Alemanha em busca de informações sobre a carne de pato foi surpreendente. “O selo foi um sucesso. Em 2019, recebemos uns 15 contatos na Anuga. Neste ano, mesmo com um público bem menor na feira, passou de uma centena.”
Segundo Rua, o Brasil passou a consumir mais carne de pato, mas o foco é mesmo a exportação, já que o mercado dessa proteína é extremamente internacionalizado. O diretor diz que o processo de certificação sanitária para os novos mercados, especialmente China e União Europeia, está acelerado, o que pode, inclusive, atrair novos entrantes para o setor. A marca Swift, do grupo JBS, também participa do mercado de pato. Compra da Germânia e distribui em sua rede de lojas no Brasil.
Juliano Sander Bonatti, um dos 60 criadores integrados da Germania, acorda às 5 horas e muitas vezes trabalha até as 23 horas para garantir ambiência, água, ração e qualidade da cama de maravalha do aviário de 1.200 metros quadrados, onde cria 7 mil patos, na zona rural de Mirim Doce, a cerca de 125 quilômetros da sede da empresa. Os patinhos de um dia, assim como a ração, são fornecidos pela indústria. A temperatura do aviário é controlada por grandes ventiladores autônomos e é reduzida a cada semana, começando em 29 oC e chegando a 17ºC na fase de terminação.
Com uma semana de vida, as aves têm as unhas cortadas, para reduzir arranhaduras, e passam cerca de 38 dias no aviário recebendo água e ração automatizada 24 horas por dia antes de irem para o abate halal na indústria, com um peso entre 1,6 e 2,6 quilos. Depois da entrega ao frigorífico, o aviário cumpre o vazio sanitário de cerca de 20 dias antes de receber o próximo lote.
Filho de avicultor e criador de aves desde 2006, Bonatti trocou os frangos por patos em 2019 e conta com a ajuda do filho adolescente no manejo. Ele diz ter feito um bom negócio na troca, apesar de alojar metade do número de frangos por vez.
“O pato é mais resistente, o manejo é mais fácil e a rentabilidade bem maior. Consigo uma conversão alimentar de 1,9 quilo de ração por quilo de pato”, explica o avicultor, acrescentando que a taxa de mortalidade em seu aviário é de 1,7%, o que lhe garante renda de 100% sobre os 7 mil patos, já que a empresa não desconta se a mortalidade for abaixo de 2,5%. Ele complementa sua renda com um trabalho de meio período na prefeitura e o arrendamento para um terceiro de uma área para produção de arroz.
Roderjan Andrino de Souza, médico-veterinário e gerente agropecuário da Germania, comanda a supervisão técnica dos 83 aviários. Ele diz que os patos-de-pequim recebidos pelos integrados têm hoje a genética importada da França ou da Inglaterra. As aves chegam em lotes de 10 mil, sendo 2 mil machos, e são alojadas em quatro matrizeiros da empresa, instalados em cidades do Planalto Norte e do Alto Vale catarinense.
Uma matriz, que chega a pesar 3,4 quilos, produz 290 ovos em seu ciclo produtivo. Os ovos são incubados em máquinas por 28 dias em um prédio onde ninguém entra sem tomar banho completo e vestir traje especial. Duas vezes por semana, os patinhos nascem e são distribuídos para os integrados.
Na linha de produção trabalham 175 pessoas. Romeu Frühauf, com 28 anos de trabalho em frigorífico e gerente industrial da Germania há 16 anos, se mostra otimista com a diversificação da produção.
Ele diz que viveu momentos críticos na empresa, com as crises financeiras e a pandemia, que provocou redução e até suspensão dos abates por duas vezes no primeiro semestre de 2020. “Hoje, abatemos 21 mil aves por dia em turno único, quase 100% da nossa capacidade instalada de 24 mil, e ainda temos espaço para expandir e dobrar a produção com um segundo turno.”
Segundo o gerente administrativo financeiro Luciano Schimitt, que chegou a ficar uma semana na UTI com Covid, a empresa implantou protocolos sanitários rapidamente para brecar o avanço da pandemia e não teve casos fatais. A vacinação se tornou obrigatória para os novos contratados e os antigos também são incentivados a se imunizar. Uma curiosidade é que, do total de 400 empregados, 54,5% são mulheres e 9% são refugiados haitianos e venezuelanos.
O egípcio Ahmed Mahmoud Nabil é um estrangeiro que circula sempre pela fábrica, mas não é funcionário. Supervisor da certificadora Fambras (Federação das Associações Muçulmanas do Brasil), que garante a qualidade da carne mesmo nas exportações para não muçulmanos, ele conta que vive há 12 anos no Brasil.
Seu trabalho consiste em verificar se a indústria segue o ritual religioso do abate halal exigido pelos países muçulmanos (mercado de quase 2 bilhões de consumidores, conforme dados da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira), que é feito sem sensibilização e com uso de bússola.
Mahmoud Nabil explica que o peito do pato tem de ser virado para Meca (cidade da Arábia Saudita). Quem faz o abate deve ser muçulmano, judeu ou cristão, falar as palavras do ritual “em nome de Deus” e usar uma faca afiada, para fazer um corte completo na garganta, a fim de que a ave morra sem sofrimento. Se há falhas no ritual, a carne não vai para exportação.
No restaurante da indústria, formatado para atender em um único espaço tanto o pessoal da fábrica quanto diretores e visitantes, tem pato com laranja, pato recheado e outras receitas com a ave quase que diariamente.
Fonte: Globo Rural