
Habilidade inata dos animais foi transformada em espetáculo para turistas – as cabras nas árvores, movimentando a economia local, mas também levantando alertas sobre bem-estar animal e preservação das argânias.
As paisagens áridas do sudoeste do Marrocos guardam um espetáculo que parece saído de um livro de fantasia: cabras empoleiradas nos galhos de árvores, equilibrando-se com surpreendente destreza. Essas imagens icônicas, que viralizaram nas redes sociais nos últimos anos, são reais e fazem parte do cotidiano em regiões como o Vale do Souss-Massa, entre as cidades de Marrakech, Essaouira e Agadir. No entanto, por trás da cena curiosa, existe uma complexa mistura de comportamento animal, tradição agrícola, turismo e desafios sociais e ambientais.
A habilidade de escalar árvores é instintiva nas cabras marroquinas, atraídas pelos frutos da argânia — uma árvore nativa e endêmica da região, conhecida mundialmente por dar origem ao valioso óleo de argan. Graças à anatomia dos seus cascos, divididos como dois dedos móveis, esses animais conseguem se equilibrar com precisão até mesmo em galhos estreitos e troncos espinhosos.
Apesar de parecerem frágeis e desajeitadas, as argânias fornecem o palco ideal para a destreza caprina. Com galhos tortuosos e resistentes, elas permitem que as cabras se espalhem em grupos, especialmente durante a safra de frutos, que ocorre anualmente em junho. A cena pode envolver dezenas de cabras em uma única árvore, em busca das polpas suculentas.
O que começou como uma prática sazonal natural foi, com o tempo, incorporado por moradores locais como uma forma de sustento. Um exemplo é Benaddi, agricultor da região que, após perder sua lavoura de trigo em 2019, passou a “exibir” cabras empoleiradas em uma argânia às margens da estrada entre Marrakech e Essaouira.

“Algumas pessoas pagam 10 dirhams, outras até 10 dólares”, conta Benaddi. Sem preço fixo, ele depende da generosidade dos turistas que param para fotografar e filmar os animais. Com o dinheiro, sustenta a esposa, cinco filhos, um burro, duas ovelhas e o novo rebanho de cabras.
Durante a pandemia da COVID-19, o turismo colapsou. Com as fronteiras fechadas, Benaddi perdeu quase todas as suas 13 cabras por fome. Desde a reabertura do país, em fevereiro de 2024, ele tenta reconstruir o rebanho — agora com uma dúzia de animais, cuidadosamente treinados para subir nas árvores.
Segundo o guia turístico Mohamed Elaamrani, de Marrakech, as cabras “são treinadas para fazer isso como um espetáculo”. O treinamento leva até seis meses e envolve técnicas como atraí-las com frutos de argan e empurrá-las com varas até se acostumarem à altura. Algumas cabras são amarradas aos troncos para que os turistas possam segurá-las ou tirar fotos de perto.

“Elas são muito inteligentes, são como pessoas. A única coisa que não podem fazer é falar, mas algumas são bem teimosas”, brinca Benaddi. Ainda assim, ele admite que a movimentação caiu bastante — em um bom dia, no passado, recebia até 10 carros. Agora, sente-se sortudo se três veículos pararem.
A prática, apesar de charmosa, levanta preocupações ambientais e éticas. A argânia (Argania spinosa) é uma árvore rara, cultivada quase exclusivamente no sudoeste do Marrocos. Após décadas de desmatamento e cultivo excessivo, a espécie tornou-se protegida. O uso intensivo das árvores para sustentar dezenas de cabras diariamente pode comprometer sua saúde e longevidade.
Além disso, as fezes das cabras têm um papel crucial na produção do óleo de argan. Depois de digerirem os frutos, os animais expelem sementes que são coletadas, secas e prensadas — processo tradicional que envolve pouca tecnologia e alto valor agregado. Com o aumento do uso das cabras apenas para exibição, esse ciclo produtivo também pode ser afetado.

A cena das “cabras voadoras” continua a atrair visitantes do mundo inteiro. São nove pontos conhecidos ao longo dos 150 km entre Marrakech e a costa de Essaouira, onde rebanhos se revezam nas árvores. Mas o fenômeno vai além do encantamento visual: revela os desafios enfrentados por comunidades rurais em regiões semiáridas, que buscam na criatividade formas de subsistência frente à instabilidade econômica e climática.
“Não é como vender batatas”, resume Benaddi. “Aqui não tem preço. O que vier é lucro.” Uma frase simples que traduz a resiliência de um povo e de um modo de vida moldado entre a tradição e a modernidade.
As cabras nas árvores do Marrocos são, ao mesmo tempo, símbolo de beleza, sobrevivência e alerta. A linha entre o espetáculo e o respeito ao bem-estar animal e ambiental é tênue — e precisa ser cuidadosamente equilibrada, como as próprias cabras, sobre os galhos retorcidos das argânias.
Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias.