Pesquisadores brasileiros da Universidade de Fortaleza (Unifor) conseguiram criar cabras geneticamente modificadas para produzir leite com características humanas.
O objetivo é acrescentar no alimento animal duas proteínas do leite materno –lisozima e lactoferrina– que funcionam como imunoprotetores naturais para os bebês que não podem ser amamentados pela mãe,principalmente, contra doenças gastrointestinais
O leite caprino tem menos compostos alergênicos que o de vaca, daí a escolha.
A transgenia foi obtida com a relativamente nova técnica Crispr (pronuncia-se crísper), uma espécie de tesoura molecular que permite editar genes com bastante precisão.
As proteínas utilizadas nessa pesquisa funcionam como antibióticos naturais do leite materno e tornam o sistema imunológico da criança mais resistente em comparação àquelas que não receberam esse alimento.
A pesquisa foi conduzida por Luciana Bertolini, doutora em genética pela Universidade da Califórnia (EUA), e seu marido, Marcelo Bertolini, veterinário e doutor em fisiologia pela mesma universidade. Dois testes com animais já foram feitos.
“No Brasil, induzimos um quadro de desnutrição em camundongos, e os que ingeriram leite com lisozima conseguiram se recuperar muito melhor do que os que não receberam.”
Os resultados positivos se repetiram em uma experiência realizada nos EUA, em parceria com a Universidade da Califórnia, na qual os roedores foram substituídos por porcos de até três semanas.
Os resultados da lisozima no leite foram publicados no periódico científico “European Journal of Pharmaceutical Sciences”.
O próximo passo é unir a produção de leite com as duas proteínas num único animal: cabras.
Por enquanto, os pesquisadores preferiram separá-las em dois grupos –um com o gene da lisozima, outro com o da lactoferrina– para analisar separadamente os resultados de testes laboratoriais, farmacológicos e toxicológicos. Agora, com uma base de conhecimento mais segura, pretendem editar os dois genes nos mesmos animais.
Em Juiz de Fora (MG), a Embrapa desenvolve uma outra pesquisa com Crispr-Cas9 em lácteos. O grupo do veterinário Luiz Sérgio de Almeida Camargo pretende inibir o gene da proteína beta-lactoglobulina, uma das principais responsáveis pela alergia ao leite de vaca.
Em dois anos, os pesquisadores fizeram a alteração gênica e criaram embriões modificados. O próximo passo será a fecundação das células. A previsão é ter vacas produzindo o leite sem a proteína em 13 meses.
EDIÇÃO EM PLANTAS
O Crispr-Cas9 também é aplicado na engenharia genética de plantas, principalmente em cana-de-açúcar, soja e milho. Os estudos miram a criação de espécies resistentes aos produtos químicos usados para erradicar ervas daninhas e outras plantas indesejáveis que crescem junto às culturas.
“A pesquisa começou com plantas menores para testar a eficácia da técnica. Conseguimos provar com o uso em gramíneas que nosso modelo de Crispr funciona”, diz Hugo Molinari, pesquisador da Embrapa Agroenergia e pós-doutor pela Rothamsted Research, no Reino Unido.
Como a mesma categoria de herbicida é aplicada em cultivos de cana-de-açúcar, milho e soja, o procedimento de edição poderá ser adotado nas três espécies.
Previsto para durar até 48 meses e iniciado há seis, o projeto da Embrapa deve começar a aplicar a tecnologia em culturas de ambiente controlado em janeiro do próximo ano. O pesquisador estima ter uma nova espécie geneticamente modificada até o segundo semestre de 2019.
Embora os resultados científicos venham se mostrando promissores, o produto deve demorar para chegar ao campo e, finalmente, aos supermercados.
As informações são da Folha de São Paulo.