
A alta no preço do bezerro beneficia os criadores, que vendem por mais e aumentam a receita, mas prejudica os pecuaristas de recria e engorda, que enfrentam custos maiores e margens de lucro reduzidas.
O preço do bezerro em Mato Grosso do Sul vem registrando forte valorização recentemente, de acordo com o indicador CEPEA/ESALQ. Essa alta significativa traz impactos econômicos diretos aos pecuaristas, especialmente aqueles dedicados à recria e engorda de bovinos, e levanta discussões sobre as perspectivas futuras do mercado. A seguir, apresentamos uma análise detalhada da situação atual, incluindo os efeitos para os produtores, fatores que influenciam os preços, comparativos históricos e a visão de especialistas e instituições do setor.
A disparada no preço do bezerro tem efeitos distintos ao longo da cadeia produtiva. Para o criador que vende bezerros (fase de cria), a valorização representa aumento de receita. Já para o pecuarista de recria e engorda – aquele que compra o bezerro magro para engordar e vender o boi gordo – o custo de produção sobe drasticamente, comprimindo as margens de lucro.
Segundo dados da FAMASUL, entre 50% e 63% dos custos em sistemas de recria e engorda estão ligados à reposição de animais (compra de bezerros). Assim, mesmo com a recente alta na arroba do boi gordo, a elevação do custo do bezerro neutraliza parte do ganho. Em 2025, o bezerro em MS já custa cerca de R$ 2,8 mil/cabeça, valor 31% maior que em abril de 2024. Esse aumento encarece a reposição: pecuaristas que antes compravam bezerros a preços menores agora precisam desembolsar bem mais para repor o plantel, reduzindo sua capacidade de investimento e lucro.
Além do preço do próprio animal, outros custos de produção em alta agravam a situação. O milho, principal insumo da ração, subiu 13% somente no mês de março de 2025, pressionando as despesas na engorda a pasto e confinamento. Em sistemas intensivos (como confinamentos), a alimentação representa de 10% a 25% do custo total. Com a alta do milho, a relação de troca piorou: atualmente, vende-se uma arroba de boi gordo e consegue-se comprar menos sacas de milho do que há um ano (era possível adquirir em torno de 4,65 sacas/arroba, número que caiu recentemente). Ou seja, o poder de compra do pecuarista diminuiu, freando a rentabilidade mesmo em um contexto de preços ascendentes da arroba.
Esse cenário exige cautela na gestão.
Produtores de engorda estão repensando estratégias, como reduzir a lotação ou adiar compras de reposição, para não operar no prejuízo. Representantes de leiloeiras consultados pelo CEPEA relatam que a oferta de bezerros está bem abaixo do normal, e embora a demanda por reposição não esteja aquecida de forma excepcional, ela vem sendo suficiente para sustentar pequenos aumentos de preço e sinalizar uma possível reversão de ciclo no mercado.
No entanto, com os custos elevados, muitos pecuaristas hesitam em investir em terminações intensivas; o CEPEA ressalta que a reposição (bezerro) pode representar 60% a 70% dos custos de um confinamento, o que desestimula a engorda diante de bezerros tão caros. Em resumo, o alto custo do bezerro agrava o custo de produção e limita a margem dos recriadores e engordadores, mesmo com o boi gordo em alta, fazendo com que a bonança para uns (vendedores de bezerro) seja desafio para outros (invernistas).
Perspectivas de Preços e Fatores de Mercado (2025-2026)
A pergunta que fica é: essa valorização vai continuar? Analistas e instituições apontam que vários fatores indicarão os rumos dos preços do bezerro nos próximos meses e anos.
Ciclo pecuário e oferta: Um dos fatores centrais é o ciclo pecuário. Nos últimos anos, o mercado esteve em fase de baixa do ciclo, com abate intenso de fêmeas. Em 2023 e início de 2024, muitas fazendas abateram vacas e novilhas, reduzindo a capacidade de produção de bezerros. Agora, começa a se refletir a escassez de oferta de bezerros, o que impulsiona os preços.
A Federação da Agricultura e Pecuária de MS (FAMASUL) observa que o elevado abate de fêmeas recente sugere que ainda não houve, de fato, a retomada da fase de retenção de matrizes (quando produtores seguram fêmeas para aumentar rebanho). Ou seja, formalmente o ciclo de alta ainda não estaria confirmado. Por outro lado, a própria FAMASUL avalia que a oferta de bezerros seguirá diminuindo até 2026, e aliada à demanda aquecida por reposição, esse quadro deve sustentar os preços em alta no curto e médio prazos. Em outras palavras, a tendência estrutural para 2025 e 2026 é de mercado firme para o bezerro, devido à menor produção de animais jovens – reflexo direto da “quebra da fábrica de bezerros” nos anos anteriores.
Gráfico 1 – Indicador do bezerro Cepea/Esalq em Mato Grosso do Sul (R$/cabeça) nos últimos dois anos.

O gráfico evidencia que, após um período de baixa em 2023, os preços do bezerro entraram em rápida ascensão a partir do final daquele ano, adentrando 2025 em forte alta. Esse movimento coincide com a fase de transição do ciclo pecuário: a oferta encolhe e os valores reagem em alta. Especialistas acreditam que o ciclo de alta dos bezerros está em curso. Leandro Bovo, CEO da Radar Investimentos, destaca que com a subida da arroba do boi gordo – que chegou a patamares acima de R$ 340 no final de 2024 em algumas regiões – o pecuarista aufere mais dinheiro na venda do boi e consegue pagar mais pelo bezerro, impulsionando também o mercado de reposição. Ele frisa que boi gordo e bezerro tendem a se valorizar juntos, ainda que em proporções diferentes. Na avaliação de Bovo, o Brasil está entrando num novo ciclo de alta na pecuária: “com o fechamento da ‘fábrica de bezerros’ (menor oferta de matrizes e, portanto, de crias), a tendência é oferta reduzida e preços dos bezerros mantidos em patamares elevados, continuando a subir em 2025”. Ou seja, a projeção de mercado é positiva para quem vende bezerro, indicando manutenção da firmeza nos preços até que a oferta volte a crescer.
Demanda interna e exportações: Do lado da demanda, embora não haja um “boom” no consumo interno, ela está consistente o suficiente para absorver a menor oferta de reposição. Frigoríficos têm pago mais pela arroba do boi gordo para conseguir completar suas escalas de abate – em abril de 2025, as indústrias de MS chegaram a pagar em torno de R$ 311,10/@ no boi gordo, um valor 43% superior ao de um ano antes. Esse apetite dos frigoríficos se transfere para o mercado de bezerros, pois pecuaristas de engorda competem pelos animais jovens esperando lucrar com o boi valorizado. Além disso, as exportações de carne bovina em alta têm ajudado a sustentar o mercado interno de gado. Mato Grosso do Sul exporta em média 22% da carne que produz, e no primeiro trimestre de 2025 houve um aumento de 9% nos abates em relação ao mesmo período de 2024 (atingindo 1,08 milhão de cabeças abatidas), volume 19% acima da média dos últimos cinco anos.
Essa maior procura externa (principalmente da China, principal compradora da carne brasileira) contribui para manter a procura por boi gordo e, indiretamente, por bezerros para engorda.
Custos e outros fatores: Por outro lado, alguns fatores de risco podem limitar ou trazer volatilidade aos preços. A FAMASUL alerta que, apesar do cenário positivo, “o momento ainda requer cautela”. Questões macroeconômicas e sanitárias entram no radar: uma eventual “guerra tarifária” entre Estados Unidos e China – ainda que mais ligada a commodities como soja, pode afetar fluxos globais de comércio e a demanda por proteínas de forma indireta. Variações climáticas extremas (secas ou excesso de chuva) também influenciam a capacidade de produção de pasto e, portanto, o peso e a oferta de animais.
Outro ponto é a crescente exigência ambiental de importadores, como a União Europeia, que pressiona por carne bovina livre de desmatamento. Novas regras ambientais podem restringir mercados ou encarecer a produção para produtores que precisem se adequar, trazendo incertezas. Em resumo, embora a tendência para 2025-2026 seja de manutenção de preços altos do bezerro – devido à conjuntura de oferta restrita e demanda firme –, o mercado não está isento de oscilações. Volatilidades cambiais, possíveis embargos sanitários ou mudanças nas políticas comerciais globais podem refletir rapidamente nas cotações. Por outro lado, caso haja redirecionamento de compras internacionais (por exemplo, a China importar menos dos EUA e mais do Brasil), o país pode se consolidar como fornecedor estratégico, ampliando a demanda pela nossa pecuária e reforçando ainda mais os preços domésticos.
Comparativo Histórico no preço do bezerro: Últimos 5 a 10 Anos
Para contextualizar a magnitude da atual alta, é importante olhar a trajetória histórica do preço do bezerro na última década, com foco nos meses de abril (período de referência do indicador). Entre 2015 e 2025, o bezerro em MS acumulou uma valorização média anual em torno de 7%, considerando as variações ano a ano. Porém, essa média esconde oscilações marcantes em períodos específicos, decorrentes do ciclo pecuário e de eventos econômicos.
O ano de destaque foi 2021: em abril daquele ano, em meio ao auge da pandemia de Covid-19, o preço do bezerro atingiu seu pico histórico, tendo subido cerca de 70% em relação a abril de 2020. Essa disparada excepcional refletiu uma conjugação de fatores: oferta reduzida após anos de abates elevados, forte demanda externa por carne bovina e investimentos represados fluindo para o agro durante a pandemia, elevando o apetite por reposição. Foi um período em que o bezerro valorizou-se muito acima do normal, levando seu valor nominal a recordes (acima de R$ 3 mil por cabeça, em média, na praça sul-mato-grossense).
Nos três anos seguintes (abril de 2022, 2023 e 2024), houve uma correção no mercado. Os preços recuaram de forma consistente após o pico – uma queda em torno de 13% de um ano para o outro em cada um desses anos. Ou seja, de 2021 em diante o bezerro entrou em ciclo de baixa, refletindo a reversão do ciclo pecuário (expansão de rebanho e maior oferta de bezerros) e também certa acomodação após as distorções da pandemia. Esse movimento de baixa contínua trouxe o valor do bezerro em 2024 a patamares bem inferiores ao ápice de 2021, aliviando o custo de reposição temporariamente naquela fase.
Já 2025 marca uma inflexão nessa curva. Em abril deste ano, o preço médio do bezerro em MS ficou em torno de R$ 2,8 mil/cabeça, retomando forte alta e interrompendo a sequência de quedas. A cotação de abril/2025 está cerca de 31% acima da de abril/2024, confirmando que o ciclo voltou a se inverter. Essa variação positiva é uma das maiores dos últimos anos (fora a exceção de 2021). Em valores absolutos, ainda não se atingiu o pico de 2021, mas o mercado recuperou grande parte das perdas pós-pico. Para ilustrar: um bezerro que valia aproximadamente R$ 2,1 mil em abril de 2024 agora vale perto de R$ 2,8 mil em abril de 2025. Conforme levantamento do CEPEA, em algumas regiões (como Presidente Prudente, SP) a alta anual chegou a ser ainda maior – da ordem de 42% entre março/24 e março/25 – mostrando que a tendência de recuperação é ampla no Centro-Sul do país.
Em termos históricos, portanto, o cenário atual se assemelha ao de outros momentos de virada de ciclo, porém com peculiaridades. A última grande virada para alta havia sido justamente por volta de 2019-2020, culminando no pico de 2021. Depois, veio a fase de baixa (2022-2024) e agora vivemos uma retomada. Após três anos de recuo, os preços dos bezerros voltaram a subir em 2025, sinalizando o início de um novo ciclo de alta. Resta acompanhar se essa trajetória continuará nos próximos anos até possivelmente estabelecer um novo pico antes de outra virada de ciclo (o que alguns estimam que possa ocorrer por volta de 2026-2027, caso a oferta reaja).
Visão de Especialistas e Instituições
Tanto instituições do agro quanto analistas de mercado têm se pronunciado sobre este momento singular. A FAMASUL, em boletim técnico recente, celebrou o cenário de preços mais altos, mas reiterou a necessidade de prudência por parte dos produtores. A entidade aponta que, embora a valorização de preços seja bem-vinda após anos difíceis, o pecuarista deve estar atento aos sinais do ciclo pecuário. O fato de ainda haver abate elevado de fêmeas indica que muitos estão aproveitando os preços firmes para fazer caixa, mas isso também atrasaria a virada completa do ciclo (pois menos fêmeas no rebanho significam menos bezerros no futuro).
Para a Famasul, somente quando houver uma retenção maior de matrizes é que poderemos dizer que entramos definitivamente em um novo ciclo de alta; por enquanto, vivemos uma transição que combina oferta escassa (herança da crise anterior) com demanda estável, resultando em preços em elevação. A recomendação da Federação é que o produtor aproveite as altas de preço com parcimônia, travando custos quando possível (por exemplo, adquirindo insumos antecipadamente) e evitando assumir riscos excessivos, pois a volatilidade não está descartada frente às incertezas no cenário global.
O CEPEA (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), responsável pelo indicador de preços, reforça alguns desses pontos em suas análises de mercado. Em nota de abril de 2025, pesquisadores do Cepea destacaram que o bezerro subiu mais que o boi gordo no último ano – indicando a pressão da reposição – e atribuíram isso à oferta bem abaixo do normal nas fazendas de cria.
Segundo o Cepea, mesmo sem um grande aquecimento na demanda, a falta de bezerros no mercado provocou essa escalada de preços, um sinal clássico de inversão do ciclo pecuário. Eles também enfatizaram a questão do custo da reposição no confinamento (até 70% do custo total), alertando que muitos confinadores podem reduzir a atividade se a relação de troca não melhorarsna.agr.br. Ou seja, a instituição vê fundamentos fortes para os preços no curto prazo, porém pondera que a continuidade desse movimento dependerá de como os diversos elos vão se ajustar: se o boi gordo manterá preços altos o suficiente para cobrir os custos, e se a cadeia conseguirá repor seus plantéis diante de bezerros caros.
Analistas de mercado independentes compartilham dessa visão otimista, porém vigilante. Leandro Bovo (Radar Investimentos) já previa no final de 2024 que o “ciclo de alta do mercado de bezerros deve se intensificar em 2025”, justamente pelos motivos estruturais mencionados – oferta reprimida e melhora na capacidade de pagamento dos invernistas graças ao boi gordo mais caro. Ele aconselha os pecuaristas a acompanharem os indicativos de oferta (nascimento de terneiros, abate de matrizes, etc.) e a planejar a compra de reposição com antecedência, pois a tendência é de bezerro disputado no mercado.
Outros consultores, como os da Scot Consultoria, também têm orientado atenção à relação de troca boi/bezerro: apesar da arroba em alta, o fato de um bezerro estar custando quase o preço de um boi gordo de anos atrás liga o sinal de alerta para quem faz engorda – é preciso calcular bem a viabilidade, considerando cenário de venda futura. Por outro lado, para o criador de bezerros, o momento é de colher os frutos de investimentos em genética e manejo, já que a procura está aquecida e deve se manter assim enquanto perdurar a escassez de oferta.
Em síntese, o cenário atual é visto como uma janela de oportunidade, mas com desafios embutidos. Instituições como FAMASUL e CEPEA confirmam a retomada de preços do bezerro em patamar elevado e fundamentada em fundamentos (oferta e demanda), ao mesmo tempo em que sugerem prudência nos gastos e estratégia nas reposições. Analistas projetam manutenção da firmeza do mercado pelo menos até 2026, salvo eventos imprevistos, e orientam os produtores a se prepararem para uma possível continuidade do ciclo de alta.
Para 2025 e 2026, espera-se um mercado do bezerro aquecido em Mato Grosso do Sul, com preços possivelmente batendo novos recordes, mas sempre acompanhado de perto pelos custos e pelos movimentos do mercado internacional. O momento, portanto, exige do pecuarista equilíbrio entre aproveitar a alta e gerenciar riscos, numa linguagem bem conhecida no campo: “pé no acelerador, mas olho no retrovisor”.
Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias.