
Uma crise silenciosa no campo brasileiro. Casos de suicídios entre produtores rurais têm aumentado, muitos por desespero financeiro, falta de apoio e ausência de políticas públicas. Em algumas regiões, mais de 12% dos agricultores já pensaram em tirar a própria vida.
O aumento de suicídios entre produtores rurais brasileiros configura uma crise silenciosa que vem alarmando especialistas e comunidades. Tradicionalmente associados à resiliência e ao trabalho duro, os trabalhadores do campo agora enfrentam desafios emocionais e financeiros sem precedentes. Distantes dos centros urbanos e muitas vezes sem apoio adequado, muitos agricultores lidam em silêncio com depressão, ansiedade e desespero.
O Brasil precisa olhar para o seu campo com a mesma atenção dedicada a outros setores, entendendo que por trás de cada alimento em nossa mesa há trabalhadores enfrentando desafios imensos. A conscientização pública pode pressionar por mudanças estruturais e incentivar cada vez mais iniciativas de apoio.
Nesse contexto, o estado do Rio Grande do Sul surge como um caso emblemático, sofrendo os efeitos combinados de dificuldades econômicas e eventos climáticos extremos que agravam a saúde mental no meio rural. Segundo publicação da comunidade SOS Agro RS, Movimento APARTIDÁRIO em prol PRODUTORES RURAIS, os agricultores seguem “esquecidos”, ou melhor “isolados”.
Números alarmantes da crise no campo
Os dados recentes evidenciam a gravidade da situação entre os produtores rurais brasileiros:
- Taxa de suicídio no campo: 20,5 por 100 mil habitantes – quase o dobro da média nacional, segundo estudo do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA. Isso indica que trabalhadores agrícolas tiram a própria vida em uma proporção significativamente maior que outros grupos no país.
- Entre 2010 e 2019, mais de 1.500 suicídios por ingestão de defensivos agrícolas – dados do Ministério da Saúde revelam que, nessa década, um grande número de pessoas no meio rural morreu ao ingerir agrotóxicos. Os defensivos agrícolas tornaram-se um meio trágico com o qual muitos agricultores atentaram contra a própria vida.
- 12,4% dos agricultores de Caicó (RN) relataram ideação suicida (2021) – uma pesquisa local no Rio Grande do Norte mostrou que em torno de um em cada oito agricultores de Caicó pensou em tirar a própria vida. Esse percentual elevado expõe o sofrimento psicológico presente em comunidades rurais específicas.
- Em 2024, o agronegócio no RS perdeu R$ 88,9 bilhões – somente no Rio Grande do Sul, estima-se que secas e enchentes causaram prejuízos econômicos gigantescos ao setor agropecuário em 2024, afetando a renda e a subsistência de milhares de famílias no campo.
- Recuperações judiciais no agronegócio subiram 138% em 2024, com aumento de quase 350% entre produtores rurais pessoa física – o número recorde de pedidos de recuperação judicial (uma forma de renegociar dívidas e evitar falência) reflete o colapso financeiro de muitos agricultores. Pequenos produtores, em especial, recorreram à Justiça em uma escala inédita, pressionados por dívidas impagáveis.
Fatores por trás da crise no campo
Diversos fatores interligados contribuem para essa crise de saúde mental entre produtores rurais. Um dos principais é o isolamento social: a vida no campo pode ser solitária, marcada pela distância geográfica e pela falta de convívio comunitário regular. Esse isolamento facilita o surgimento de transtornos mentais e dificulta que o agricultor busque ajuda ou mesmo compartilhe seus sentimentos, muitas vezes por tabu ou vergonha.
As dívidas crescentes são outro fator decisivo. Nos últimos anos, muitos agricultores investiram em suas lavouras e criações tomando crédito; porém, enfrentaram a alta dos juros e o aumento nos custos de produção. Quando a colheita fracassa ou os preços caem, o produtor se vê endividado e sob intensa pressão financeira. No Rio Grande do Sul, por exemplo, eventos climáticos extremos têm sido devastadores: secas prolongadas seguidas de enchentes destruíram safras inteiras, deixando produtores sem renda e com empréstimos por pagar. Essas perdas financeiras em cascata ajudam a explicar o salto nos pedidos de recuperação judicial e o desespero de muitos trabalhadores rurais.

Além disso, há falta de apoio psicológico no meio rural. Serviços de saúde mental e assistência social raramente alcançam as regiões mais afastadas. Mesmo quando o agricultor sente que precisa de ajuda, esbarra na ausência de políticas públicas eficazes voltadas para a saúde mental no campo. Programas de prevenção ao suicídio e apoio emocional praticamente não chegam às fazendas e comunidades agrícolas. Essa carência de uma rede de suporte significa que os sinais de alerta muitas vezes passam despercebidos até ser tarde demais.
Vale ressaltar também que o próprio ambiente de trabalho rural pode agravar a situação. O uso contínuo de agrotóxicos e outros produtos químicos, por exemplo, foi associado em estudos a efeitos negativos na saúde mental dos agricultores. Além disso, ter acesso facilitado a substâncias perigosas (como pesticidas) aumenta o risco de que surtos depressivos resultem em tentativas de suicídio por envenenamento – uma realidade confirmada pelo elevado número de suicídios por ingestão de defensivos agrícolas.

Impactos econômicos e sociais no estado e no país
Os impactos dessa crise vão muito além das estatísticas individuais – eles se espalham pela economia e pelo tecido social do Rio Grande do Sul e de todo o Brasil. No aspecto econômico, a onda de suicídios e falências no campo abala um dos principais pilares da economia brasileira: o agronegócio. Somente no RS, perder quase R$ 89 bilhões em um ano significa menos circulação de riqueza em municípios inteiros, queda na produção de alimentos e redução nas exportações. Em nível nacional, se pequenos e médios produtores abandonam a atividade (seja por insolvência financeira ou por tragédias pessoais), há riscos de desabastecimento de certos produtos, pressão inflacionária sobre alimentos e desenvolvimento desigual – com concentração de terras e riqueza nas mãos de poucos grupos que conseguem suportar as crises.
Se pequenos e médios produtores abandonam a atividade (seja por insolvência financeira ou por tragédias pessoais), há riscos de desabastecimento de certos produtos
Socialmente, cada suicídio no campo representa uma família devastada e uma comunidade abalada. Em muitas comunidades rurais, a perda de um produtor – muitas vezes chefe de família e parte fundamental da economia local – deixa um vazio difícil de preencher.
O êxodo rural pode se intensificar: jovens desestimulados podem deixar a vida agrícola, vendo nela um caminho de sofrimento. Isso leva ao enfraquecimento das comunidades do interior, perda de tradições e saberes do campo, e ao envelhecimento da população rural que permanece. No Rio Grande do Sul, a crise climática e financeira não apenas gera prejuízos materiais, mas também fragiliza o tecido social – vizinhos e parentes lidam com o luto, com a insegurança sobre o futuro e com a urgência de se apoiar mutuamente em meio à adversidade.
Cada suicídio no campo representa uma família devastada e uma comunidade abalada.
Apelo por apoio e medidas urgentes para evitar suicídios entre produtores rurais
Diante dessa realidade preocupante, cresce um apelo urgente por soluções que possam conter a crise e salvar vidas no campo. Famílias, especialistas e entidades do setor agrícola convergem na necessidade de ações imediatas em várias frentes, incluindo:
- Apoio psicológico no campo: Implementação de programas de saúde mental voltados para a zona rural, com presença de psicólogos e assistentes sociais itinerantes que visitem as comunidades agrícolas. É fundamental oferecer atendimento sigiloso e adaptado à cultura local, além de campanhas de conscientização para derrubar o estigma em torno do sofrimento emocional.
- Crédito justo e renegociação de dívidas: Medidas econômicas que aliviem a pressão financeira sobre o produtor. Isso inclui linhas de crédito emergencial com juros baixos para quem foi afetado por secas ou enchentes, programas de renegociação de dívidas agrícolas e seguro agrícola eficiente para que eventos climáticos não arruínem completamente a renda do agricultor.
- Ações governamentais efetivas: Políticas públicas coordenadas que atendam às necessidades do campo. Governos estadual e federal podem criar programas de amparo específicos para produtores em crise, investindo em assistência técnica, subsidiando insumos em momentos críticos e estabelecendo redes de proteção social no meio rural. A articulação entre diferentes órgãos (saúde, agricultura, assistência social) é crucial para uma resposta completa.
- Presença ativa do Estado no campo: Mais do que programas pontuais, os agricultores clamam por uma presença constante do Estado. Isso significa extensão rural fortalecida, com técnicos agrícolas orientando e apoiando o produtor, e equipes de saúde da família capacitadas para identificar sinais de depressão e ideação suicida. Significa também investir em infraestrutura (como acesso à internet e transporte) que diminua o isolamento das comunidades, conectando-as a informação, ajuda e mercados.
Em suma, a situação exige empatia e urgência. Dar visibilidade à alta taxa de suicídios entre produtores rurais é o primeiro passo para quebrar o silêncio em torno do tema [suicídios entre produtores rurais].
Salvar vidas no campo deve ser uma prioridade: seja por meio de políticas governamentais robustas, da atuação vigilante de cooperativas e sindicatos, ou simplesmente pela solidariedade de estender a mão a quem cuida da terra e, tantas vezes, sofre sem ser notado.
(Se você ou alguém que você conhece precisa de ajuda, procure apoio profissional. No Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece atendimento gratuito e sigiloso 24 horas por dia pelo telefone 188.)
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