Os produtores rurais do Brasil movimentam um complexo econômico que gera o triplo de seu próprio valor, afirmou Xico Graziano*, em sua coluna ao Poder 360. Até setembro de 2023, o agronegócio representava 1/4 do PIB brasileiro
Um livro clássico, publicado originalmente em 1957, nos EUA, foi lançado esses dias no Brasil. Trata-se, no título em português, de “Um conceito de agronegócio”, escrito pelos professores de Harvard John Davis e Ray Goldberg.
Responsável pela edição brasileira, a advogada Rafaela Parra, da ESG Law, presta um grande serviço à academia, traduzindo uma obra que mudou a compreensão sobre a importância do agro na economia global.
Conforme ela mesma coloca, no prefácio, “A concept of Agribusiness” é um estudo icônico e atemporal. As máximas dos professores John Davis e Ray Goldberg, embora ocorridas muito antes do fenômeno geopolítico da globalização, são pilares para o entendimento da relação entre produção, comércio internacional e os vários atores da engrenagem do agronegócio moderno.
Posso dizer que, como professor, vivenciei essa história ligada à evolução do conhecimento na economia rural. Antes, nós lecionávamos sobre o “meio rural”. Agora, tratamos do “agronegócio”. Mudou o foco de nossas análises.
Quem, inicialmente, trouxe para o Brasil o conceito pioneiro de “agribusiness” foi Ney Bittencourt de Araújo (1936-1996), então presidente da Agroceres, uma empresa nacional que ultrapassava seus limites comerciais.
Ney, um visionário tanto quanto, especialmente, Ray Golberg, liderava uma equipe brilhante de técnicos e estudiosos da agricultura brasileira que fazia da Agroceres um centro de excelência. Organizava seminários e, inclusive, publicava livros, como o vanguardista “Complexo Agroindustrial: o agribusiness brasileiro” (1990).
Influenciados pelo novo enfoque, que iria mudar o paradigma da economia rural, começamos na universidade a prestar mais atenção naquelas relações que vinculavam a economia rural à economia em geral. “Agroindústria” foi o primeiro termo mais amplo utilizado para explicitar a mudança que andava ocorrendo na sociedade agrária.
Nesse contexto, passamos a considerar não mais a agricultura isoladamente, mas o complexo agroindustrial que a cercava, incluindo o rico conceito das cadeias produtivas que, metodologicamente, nos obrigavam a considerar os elos que, do início ao fim, participavam da corrente de geração de valor originado na terra.
Quanto mais a modernização tecnológica do campo prosseguia, juntamente com a urbanização do país e a globalização mundial, mais ficava claro a importância da visão futurista formulada por Davis e Goldberg. Eles jogaram uma luz no andar da civilização.
Antigamente, nossos bisavós lavravam a terra e criavam os animais isolados lá na roça. Faziam sua própria linguiça e o queijo, o ovo se buscava no ninho do galinheiro, o frango caipira morria na hora certa. Produziam feijão e arroz, e a mandioca, para extrair a farinha; o milho era o grão que alimentava a bicharada, incluindo os cavalos e burros de serviço.
Da horta, vinha a couve, um ou outro legume; do porco cevado, retirava-se também a banha para cozinhar. O esterco era o adubo da lavoura. Tudo funcionava como um ciclo quase fechado de produção e consumo. O que sobrava, vendia-se à granel.
Hoje, tudo se alterou. As cidades floresceram, o campo se esvaziou. Os agricultores se especializaram. Grandes empresas processam os produtos agrícolas, os supermercados substituíram os armazéns da esquina. Surgiu o óleo vegetal, ovo vem na caixinha, o arroz e o feijão já se compram embalados. Fertilizantes NPK vicejam as lavouras, tratores aposentaram os animais de trabalho. A horta desapareceu, junto com o antigo galinheiro. Ninguém mais sabe o que significa mercadoria “à granel”.
Ficou difícil delimitar onde começa e onde acaba a geração de valor a cargo do produtor rural. Surgiu assim uma análise caipira curiosa, bastante utilizada para descrever o conceito do agronegócio, dividindo-o em 3 fases econômicas: o antes da porteira, o dentro da porteira e o depois da porteira das fazendas. É pedagógico!
Instituído em 1982, o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Agrícola), ligado à ESALQ/USP, em Piracicaba, tornou-se a grande referência na compreensão da moderna agropecuária brasileira. Sua metodologia de análise, seguindo o ensinamento de Davis e Goldberg, separa o PIB (Produto Interno Bruto) do agronegócio em 4 segmentos: insumos, primário (agropecuária), agroindústria e agrosserviços.
Para 2023, no cálculo até setembro, o Cepea indicava a seguinte participação percentual de cada um daqueles segmentos no PIB total do agronegócio:
- Insumos: 5,5%
- Primário: 27,5%
- Agroindústria: 23,5%
- Agroserviços: 43,5%
Percebam que o segmento primário, ou seja, aquele da agropecuária propriamente dita (dentro das fazendas), corresponde (Boletim Cepea, íntegra – PDF – 3 MB) a pouco mais de 1/4 do valor do PIB total do agronegócio. Em outras palavras, significa que os produtores rurais do Brasil movimentam um complexo econômico que gera o triplo de seu próprio valor.
No acumulado do ano até setembro de 2023, o agronegócio representava 24,1% do PIB total da economia brasileira. E a PO (População Ocupada) em todo o agronegócio nacional, incluindo os trabalhadores do campo atuantes no autoconsumo, somou 28,34 milhões de pessoas, representando 26,8% da PO brasileira.
Conclusão: o agronegócio é o maior negócio do Brasil. Talvez o único capaz de nos levar para um futuro rico e sustentável.
*Xico Graziano, 70 anos, é engenheiro agrônomo e doutor em administração. Foi deputado federal pelo PSDB e integrou o governo de São Paulo. É professor de MBA da FGV. O articulista escreve para o Poder360 semanalmente, às terças-feiras.
Artigo originalmente publicado na coluna do autor no Portal Poder360
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