Dados mostram que o peso médio da carcaça dos machos cresceu cerca de 20% nos últimos 30 anos; mudança no perfil da pecuária brasileira vem contribuindo de modo marcante para a redução da idade média de abate
A participação dos confinamentos na produção pecuária brasileira, majoritariamente focados na fase de terminação, vem crescendo nos últimos anos. Estimativas da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC) apontaram que em 2001 tínhamos cerca de 2 milhões de cabeças confinadas. Em 2022, esse número já superava 7,5 milhões de cabeças.
Enquanto duas décadas atrás o ganho médio de carcaça no período de confinamento era de 6 arrobas por cabeça, dados recentes levantados pelo ConfinaBrasil, capitaneado pela Scot Consultoria, apontaram que nos últimos anos o ganho médio em confinamento girou em torno de 8,5 arrobas por cabeça.
Ademais, a partir de dados disponibilizados pelo IBGE , calcula-se que em 1997 o peso médio da carcaça dos machos era de 16,4@, mas elevou-se para 19,7@ em 2023, um ganho de 20%. O levantamento feito pelo ConfinaBrasil mostrou que os machos confinados saem mais pesados, em média com cerca de 21@, sendo que entre 69% e 75% dos animais têm peso de carcaça entre 19-23@. Estima-se que atualmente a participação do confinamento no abate (% carcaça) é de cerca de 8%.
Essa mudança no perfil da pecuária brasileira vem contribuindo de modo marcante para a redução da idade média de abate, para a elevação do peso médio de carcaça e, também, para a melhoria da qualidade da carcaça. Se a taxa de crescimento (2002-2022) na participação dos sistemas confinados no abate se sustentar pela próxima década, a participação do confinamento no abate total deverá alcançar 20% em 2037. Apesar dessa ampliação da participação dos sistemas confinados na pecuária, a parcela majoritária da produção nacional ainda se encontra alicerçada na produção a pasto. E por um bom tempo, deverá continuar assim.
Componentes da produção animal em pastagens
A produção pecuária em sistemas pastoris é o resultado do produto entre a área de pastagens e a produtividade (Equação 1). A estimativa desses dois componentes da produção pecuária, no entanto, ainda levanta dúvidas e questionamentos.
Área de pastagem
Há certa concordância entre as diferentes fontes de que a área atual de pastagem no País é menor do que no passado. Entretanto, não há convergência das estatísticas quanto ao momento em que essa redução na área de pasto se iniciou, tampouco quanto aos valores absolutos da área de pastagem no País ou em seus biomas.
Por exemplo, de acordo com os Censos Agropecuários do IBGE , a máxima área de pastagem no Brasil ocorreu em 1985, quando atingiu 179,2 milhões de ha. No último Censo, de 2017, a área de pastagem no Brasil foi de 159,5 milhões de ha. Pelos levantamentos do Atlas de Pastagens, do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) , coordenado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), a área de pastagem em 2022 era de 177,3 milhões de ha, sendo que a área máxima ocorreu em 2008 (179,7 milhões de ha). Para fins comparativos, a área de pastagem em 2017, de acordo com o Lapig, era de 178,7 milhões de ha. O Mapbiomas , em sua coleção 8, a mais atual, apontou que em 2022 a área de pastagem no Brasil era de 164,3 milhões de ha. A área máxima de pastagem teria sido observada em 2009 (164,6 milhões de ha), sendo que em 2017 a área estimada foi de 163,5 milhões de ha.
Os dados e estatísticas divulgados pelo Projeto TERRACLASS , executado pela Embrapa e INPE, estão passando por uma abrangente atualização em 2024. No início de agosto, as estimativas quanto ao uso e cobertura do solo nos biomas Cerrado e Amazônia foram disponibilizadas para acesso público. Por essa base, a área de pastagem, considerando apenas os biomas Cerrado e Amazônia, era de 111,7 milhões de ha em 2022. Comparativamente, pelo Mapbiomas, a área de pastagem nesses biomas, em 2022, era de 109,1 milhões de ha.
De modo geral, esses levantamentos revelam que no agregado do Brasil houve pouca variação na área de pastagem nas últimas duas décadas. As estimativas de área de pastagem feitas pelo IBGE e pelo Mapbiomas são da ordem de 160 milhões de ha. A estimativa do Lapig é cerca de 10% mais elevada.
A análise mais aprofundada e regionalizada dessas bases de dados e estatísticas revela que dinâmicas regionais específicas são observadas. Ainda há alguma expansão da área de pasto em regiões localizadas, como o “Arco do desmatamento”. Entretanto, há retração em outras regiões, em particular naquelas do centro-sul em que lavouras dinâmicas demandam mais área, aumentando a competição pelo uso da terra.
Nessas condições, áreas de pastagem são realocadas principalmente para a produção de grãos, mas também para a cana-de-açúcar. É interessante notar que conforme há expansão nas áreas de integração lavoura-pecuária, isso significa que em determinada gleba é possível fazer tanto pecuária como lavoura. Desse modo, é provável que nessas regiões se observe uma pressão de alta nos preços da terra de pasto, e o referencial de preços assuma um patamar mais elevado, mais próximo aos preços da terra de lavoura.
Produtividade animal em sistemas pastoris
O outro componente da produção pecuária a pasto é a produtividade. Essa métrica procura capturar o quão eficiente é a produção em termos de uso de recursos. Aumentar a produtividade implica em expandir a produção por meio da utilização mais eficiente dos fatores de produção.
Na agropecuária um dos indicadores de produtividade mais utilizados refere-se à produtividade (parcial) da terra, ou rendimento. Essa métrica mede a quantidade de produto produzida por unidade de área. Para a agropecuária moderna e competitiva, busca-se ao mesmo tempo ampliar a produtividade (e.g. maior eficiência no uso do recurso terra) e a eficiência no uso de outros insumos, como suplementos, fertilizantes e agroquímicos. Quando as lavouras são consideradas, isoladamente ou em rotação com as pastagens, busca-se adicionalmente uma maior intensidade de cultivos (i.e. número de cultivos/ha/ano).
Cabe uma certa analogia para a “intensidade de cultivos” e a produção pecuária a pasto. Seria como ter o pasto gerando uma maior produção e receita na maior parte dos meses do ano. Esse objetivo demanda pastagens produtivas na propriedade e um bom planejamento (ajuste da taxa de lotação e na estrutura do rebanho, planejamento da suplementação, etc.), por exemplo, para minimizar os impactos da estacionalidade da produção forrageira e para acomodar diferentes estratégias de produção, de maior relação benefício/custo, quando as condições do ambiente de produção e de decisão se alteram. Se a expectativa de preços relativos (insumos/produto) se altera, uma tomada de decisão otimizada possivelmente indicaria a necessidade de alteração do patamar de produtividade, às vezes um pouco para cima, às vezes um pouco para baixo, em função da direção das mudanças.
A estimativa de produtividade das lavouras (equação 2), como sacas (ou kg) de soja por hectare, ou caixas de laranja por hectare, tem sido medida de maneira correta e é amplamente utilizada em análises para apoiar a tomada de decisão. Já a estimativa de produtividade para a pecuária a pasto tem sido frequentemente feita de maneira incorreta. Por exemplo, é comum apresentar indicadores para essa métrica como “produção de leite por vaca” ou “cabeças por hectare”. No primeiro caso, trata-se de uma medida de desempenho animal, desconsiderando o efeito da taxa de lotação. No segundo, refere-se ao número de animais por unidade de área, desconsiderando o efeito do desempenho animal.
A medida correta de produtividade da pecuária a pasto (quantidade de produto por ha) é obtida pelo produto entre o desempenho animal (ganho de peso, em kg de peso vivo ou equivalente-carcaça, por cabeça) e a taxa de lotação (cabeças por hectare) (equação 3).
Limitações da taxa de lotação como “proxy” para a produtividade animal em sistemas pastoris
De maneira muito comum, o que se observa no cotidiano da pecuária é uma abordagem distorcida para relatar a produtividade em sistemas pastoris . Isso ocorre em diferentes fóruns de discussão técnica e, inclusive, na orientação de grandes ações de política. Exemplificando, o resumo para formuladores de política (“policy makers”) do relatório do “The Intergovernmental Panel on Climate Change” (IPCC), que trata de questões relacionadas ao uso da terra e mudanças climáticas, aponta que “… Intensive pasture is defined as having a livestock density greater than 100 animals/km2 …[i.e. … Pastagem intensiva é definida como tendo uma densidade do rebanho superior a 100 animais/km2 …]” . Por essa métrica, em que uma taxa de lotação acima de 1 cabeça/ha (i.e. 100 animais/km2) seria proxy para um “sistema intensivo”, muitos dos sistemas de produção pecuária a pasto no Brasil seriam considerados “intensivos” há pelo menos duas décadas.
O uso da taxa de lotação como proxy para a produtividade em sistemas pastoris pode introduzir um viés na tomada de decisão por três razões principais. Em primeiro lugar, as taxas de lotação explicam apenas uma fração da produtividade observada na prática. As taxas de lotação, como proxy da produtividade, capturariam apenas um terço dos ganhos reais de produtividade na pecuária brasileira no período 1996-2006 . No período 2006-2017, a taxa de lotação indicaria que a “produtividade” diminuiu marginalmente, de 1,10 cabeças/ha para 1,09 cabeças/ha. Na verdade, nesse período, o desempenho animal contribuiu para um aumento da produtividade, quando medida corretamente, de 13% (de 43 a 48 kg de equivalente-carcaça/ha) .
Um segundo ponto diz respeito à incapacidade da taxa de lotação informar aspectos importantes da dimensão ambiental relacionada com a produção pecuária a pasto. Isso ocorre porque essa métrica não captura a intensidade de emissões (kg metano / kg ganho de peso). Dessa maneira, quando a taxa de lotação é usada como proxy da produtividade, a variação desse indicador não pode ser relacionada com estimativas criteriosas de intensidade de emissões relacionadas ao desempenho animal.
O terceiro ponto diz respeito à dimensão econômica. A taxa de lotação, de modo isolado, captura de maneira inadequada os sinais de preços associados com mudanças na demanda e na oferta de carne bovina, que transmitem os incentivos (desincentivos) para expandir (contrair) a produção. Isso ocorre porque a taxa de lotação não está diretamente ligada ao valor da carne comercializada.
Portanto, a taxa de lotação, como métrica de produtividade, ou de maneira mais ampla, como indicador de estratégias de intensificação sustentável nos sistemas de produção de pecuária a pasto, não é capaz de, isoladamente, sinalizar muitas das mudanças que efetivamente ocorrem no mundo real, quer seja por uma dimensão biofísica ou econômica. Nesse sentido, tem alcance limitado para orientar de maneira mais robusta a tomada de decisão pública e privada.
Produtividade animal em sistemas pastoris: da teoria à prática
A avaliação da produtividade a pasto considerando apenas um dos seus componentes é uma abordagem equivocada e pode levar a interpretações e cursos de ação viesados, tanto na esfera pública como na privada. Considere, por exemplo, as quatro situações ilustrativas abaixo.
Períodos referem-se aos Censos Agropecuários. Para detalhes adicionais.
O Caso (a), com taxa de lotação e desempenho animal mais baixos frente aos outros casos, é obviamente o pior pela ótica da produtividade. Embora o Caso (b) tenha uma taxa de lotação 50% inferior àquela registrada no Caso (c), a sua produtividade é marginalmente mais elevada. O maior nível de desempenho animal no Caso (b) vis-à-vis aquele do Caso (c) resultaria, também, em uma menor intensidade nas emissões de metano (kg metano / kg ganho de peso). Obviamente, com esses exemplos ilustrativos, não se quer sinalizar que uma taxa de lotação mais baixa é preferível. Entre os exemplos apresentados, o Caso (d), com os maiores níveis de taxa de lotação e desempenho animal seria o caso mais interessante com foco na produtividade.
O ponto a ser ressaltado é que a produtividade animal a pasto é o produto entre a taxa de lotação e o desempenho animal (equação 3). Considerar apenas um desses componentes implica em uma visão parcial, e por vezes distorcida, da produtividade da pecuária em sistemas pastoris no mundo real. E essa distorção na estimativa da produtividade pode induzir a erros na tomada de decisão.
Em termos práticos, se um nível mais elevado de desempenho animal estiver associado a uma taxa de lotação muito baixa, a produtividade e o desempenho econômico são comprometidos. Em contrapartida, se a taxa de lotação se eleva sem que a produção de forragem aumente concomitantemente, de modo a manter uma determinada oferta de forragem (i.e. relação geralmente expressa por kg de massa seca / 100 kg de peso vivo), o desempenho animal é prejudicado. O cuidado aqui é que a produtividade pode se elevar dentro de certos limites com a elevação da taxa de lotação, mesmo com um certo prejuízo no desempenho animal. Entretanto, se a elevação da taxa de lotação reduzir de modo mais significativo a oferta de forragem e, assim, comprometer o desempenho animal de maneira mais severa, a produtividade cairá e o fluxo de receitas será impactado negativamente. Como já comentado, a redução no ganho de peso implica, também, em uma maior intensidade de emissões de metano.
Um outro aspecto a ser destacado é que para se atingir taxas de lotação mais elevadas, especialmente em ambientes com solos tropicais, mais intemperizados, ácidos e com fertilidade química geralmente mais baixa , é necessário um maior uso de corretivos e fertilizantes . Paralelamente, a maior taxa de lotação na propriedade requer um planejamento mais refinado e uma tomada de decisão mais ágil, entre outros, quanto ao manejo do pastejo, à estratégia de suplementação, à necessidade de uso de volumoso conservado, à compra e venda de animais. Com a ampliação no uso de insumos no sistema de produção uma abordagem mais elaborada, de avaliação de ciclo de vida, passa a ser mais interessante pela ótica de monitoramento das emissões de GEE.
Produtividade e tomada de decisão: considerações finais
O conceito de produtividade (da terra), ou rendimento, está bem consolidado para lavouras. Entretanto, na pecuária a pasto, a definição correta da métrica ainda não está amplamente difundida, quer seja em discussões técnicas, na orientação de políticas, ou na prática da propriedade rural. A relativa facilidade com que se estima a taxa de lotação – cabeças por unidade de área – tem fomentado o uso desse indicador como proxy da produtividade em sistemas pastoris.
Essa abordagem é conceitualmente equivocada e pode induzir a erros na tomada de decisão, tanto na dimensão privada como pública. A taxa de lotação, como métrica de produtividade, não captura integralmente a produtividade obtida no mundo real, não é capaz de informar respostas em intensidade de emissões (kg metano / kg ganho de peso), e por não estar diretamente ligada ao valor da carne comercializada não é capaz de adequadamente transmitir incentivos (e desincentivos) para a produção.
Para se analisar de maneira mais robusta o impacto real das estratégias de intensificação sustentável nos sistemas de produção pecuária a pasto é preciso utilizar a medida de produtividade estimada corretamente, isto é, pelo produto entre a taxa de lotação e o desempenho animal. Mudanças nesses dois componentes formadores da produtividade podem levar a variações na produtividade e no desempenho econômico. Não existe uma regra prática. Aumentar a taxa de lotação ou o desempenho animal pode ou não ampliar o desempenho econômico e até mesmo o impacto da atividade, positivo ou negativo, sobre o meio ambiente. De modo crescente, as variáveis ambientais devem ser explicitamente consideradas como parte da tomada de decisão na agropecuária.
Cada situação é, portanto, contexto-específica. O planejamento e a tomada de decisão devem considerar as relações de preço e de transformação para ambos os componentes de produtividade, taxas de lotação e desempenho animal, incluindo a possibilidade de utilização de suplementos para os animais em pastejo. As perspectivas do produtor quanto aos custos de oportunidade e aos riscos envolvidos na tomada de decisão são únicas em relação a uma dada combinação produtor-propriedade. Isso acontece porque a quantidade e a qualidade dos recursos (terra, trabalho, capital físico e humano) e de insumos disponíveis, sujeitos aos preços relativos pertinentes, variam caso a caso.
Fonte: www.scotconsultoria.com.br
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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